Quatro anos depois, a distinção entre Turquia e Brasil é ainda mais visível
Em sua coluna do dia 1.º de julho de 2013 no jornal Today’s Zaman, o cientista político turco Sahin Alpay utilizou as reações dos presidentes Dilma Rousseff e Recep Tayyip Erdogan para comparar os regimes políticos do Brasil e da Turquia. Em um comício de seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), nove dias antes, Erdogan dissera que as manifestações da época no Brasil e na Turquia eram resultado do “mesmo jogo”, promovido pelas redes sociais e pela “mídia internacional”, numa suposta conspiração internacional.
Alpay explicou então as diferenças entre os casos turco e brasileiro: “Enquanto Erdogan denominou os protestos um jogo dos inimigos ‘internos e externos e de lobbies de interesses’ com o objetivo de desacreditar e derrubar o governo eleito, Rousseff qualificou as manifestações como um sinal do amadurecimento da democracia em seu país, do qual se orgulhava e aprendia. Enquanto Erdogan ordenou que a polícia reprimisse os protestos com força desproporcional, levando à morte de quatro pessoas e centenas de feridos, dez dos quais perderam um olho, Rousseff prometeu reformas radicais para combater a corrupção e melhorar os serviços de transporte, saúde e educação”.
Para o cientista político, Erdogan “se recusou a ver que os protestos representavam uma explosão de descontentamento acumulado com seu estilo de liderança arbitrário e autoritário”. Alpay concluiu escrevendo: “Estou em dívida com meu colega Lourival Sant’Anna do jornal O Estado de S. Paulo por me proporcionar insights sobre as questões brasileiras”. Foi uma de muitas colunas de Alpay alertando para a marcha de Erdogan rumo ao autoritarismo. Ele estava tristemente certo.
O Zaman, jornal de maior circulação da Turquia, assim como sua edição em inglês, Today’s Zaman, e a emissora de TV do grupo, foram confiscados pelo governo no fim de 2015, eliminando, assim, os últimos grandes canais de crítica independente. Depois da tentativa de golpe de julho, 45 mil pessoas foram presas, incluindo Alpay, e 130 mil demitidas ou suspensas de suas funções.
A uma lei anterior, que já tornava crime passível de prisão “insultar o presidente”, foram acrescidas acusações de “traição à pátria” por causa do fracassado golpe, e de “terrorismo”, em face das suspeitas de envolvimento do movimento Hizmet, liderado pelo clérigo Fethullah Gulen, autoexilado nos EUA. O Zaman, assim como escolas, universidades e entidades sociais confiscadas, pertenciam ao Hizmet. Há duas semanas, o Ministério Público, que como a Justiça é controlado por Erdogan, pediu pena de três prisões perpétuas para 30 jornalistas e colunistas, entre eles Alpay, que tem 73 anos.
No domingo passado, Erdogan, primeiro-ministro entre 2003 e 2014 e presidente deste então, deu mais um passo em seu projeto de perpetuação no poder, ao vencer o referendo pela estreita margem de 51% a 49%. Depois de uma campanha onipresente pelo “sim”, com uso pesado da máquina do Estado, o resultado foi contestado pela oposição, por causa de 1,5 milhão de cédulas sem o carimbo da autoridade eleitoral.
A reforma constitucional aprovada troca o parlamentarismo pelo presidencialismo, a partir do próximo mandato presidencial, em 2019. O presidente oficializa seus poderes para nomear juízes e governar por decreto. E poderá ter dois mandatos de cinco anos, com a opção de concorrer a um terceiro se o Parlamento (no qual o governo tem maioria) convocar eleições antecipadas. Ou seja, aos 63 anos, Erdogan conquistou o direito de governar até os 80. Se não quiser mudar de novo a Constituição, claro.
Quatro anos depois, a distinção feita por Alpay entre Turquia e Brasil é ainda mais visível. O Brasil caminhou para o fortalecimento da independência da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal, e para um doloroso ajuste de contas com sua cultura de corrupção. A Turquia foi no sentido contrário. Mas sua história, assim como a da Venezuela, guarda uma lição da qual não podemos nos esquecer, nem um dia sequer.
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