Caracas intensifica vigilância sobre oficiais e mantém desafeto militar preso
Ao convocar a população a reagir contra a dissolução do Parlamento pelo Tribunal Supremo de Justiça, o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, pediu aos militares venezuelanos que assumissem uma posição: “Não vamos aceitar nada que não está na Constituição e as Forças Armadas devem formar parte das soluções para o país”, disse Borges na quinta-feira, antes de o chavismo pedir que a corte revisse sua sentença. Além do seu efeito potencialmente explosivo, o convite tem seu lado intrigante, por ter partido da oposição.
Depois da tentativa de golpe de 2002, o então presidente, Hugo Chávez, realizou amplos expurgos nas Forças Armadas e acrescentou a elas o adjetivo “Bolivarianas”, como marca de sua ideologização e adesão incondicional a seu governo. Com a morte de Chávez, em 2013, a queda do preço do petróleo e o agravamento da escassez de produtos de primeira necessidade, seu sucessor, o presidente Nicolás Maduro, reforçou a lealdade dos militares distribuindo entre eles o controle sobre atividades de importação altamente lucrativas em função da coexistência de três taxas de câmbio – duas oficiais e uma paralela. Além disso, com ajuda de espiões militares cubanos, o regime observa detidamente os movimentos dos oficiais.
Por isso, a visão convencional de uma intervenção militar na Venezuela é a de que ela teria o objetivo de salvaguardar o regime. Mas há sinais de fissura na corporação, que tem longa tradição golpista, da qual o próprio Chávez, ex-tenente-coronel paraquedista, faz parte.
Relatório da consultoria de risco americana Stratfor afirma que a Divisão Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM) intensificou a vigilância sobre oficiais de patente intermediária nas Regiões e Zonas de Defesa Estratégica espalhadas pelo país. As sete regiões são comandadas por generais nomeados pelo presidente, mas estão divididas em dezenas de zonas, a cargo de patentes inferiores. A lealdade desses oficiais preocupa o governo, segundo fontes em Caracas ouvidas pela Stratfor.
Outro sinal de insegurança do governo está na decisão de voltar a prender o general da reserva Raúl Baduel. O general foi companheiro de Chávez na conspiração que levou à tentativa de golpe de 1992. O golpe fracassou, mas deu notoriedade nacional a Chávez, que, com sua eloquência, foi escolhido pelos colegas para fazer um pronunciamento à nação pela TV, como parte da negociação da rendição dos conspiradores. Chávez se elegeria presidente em 1998.
Na tentativa de golpe de 2002, Baduel comandava a estratégica 42.ª Brigada de Paraquedistas em Maracay, 80 km a sudoeste de Caracas, da qual Chávez também provinha. De lá, liderou a reação militar contra o golpe. Em sinal de gratidão, Chávez o nomeou ministro da Defesa. Entretanto, em 2007, o general deixou o governo, denunciando a reforma constitucional que ampliava os poderes do presidente e eliminava os limites à reeleição – derrotada em referendo.
O general passou então a ser acusado de desvio de verbas e acabou condenado em 2009 a 8 anos de prisão. A pena terminou na sexta-feira. Mas em 2 de março Baduel sofreu nova acusação, por crimes contra “a independência e a integridade da nação”. Um dia antes de expirar sua pena anterior, ele foi conduzido, algemado, pela DGCIM, para um tribunal militar, para responder às novas acusações, e continua preso. Baduel desfruta de enorme prestígio entre muitos militares venezuelanos.
O esforço do governo em mantê-lo preso é mais um sinal de preocupação com a coesão das Forças Armadas em torno do regime. A Stratfor não considera iminente uma reviravolta militar. O cientista político Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela, também não. “Até agora, o setor militar está controlado pelo governo. Sempre há rumores, mas não vejo uma saída militar no curto prazo”, disse-me ele na noite de sexta-feira. “Julio Borges aproveitou o momento, mas creio que seja em vão. O certo é que até agora os militares não se pronunciaram.”
Talvez seja a única boa notícia vinda da Venezuela.
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