Presidente tenta sair da incômoda posição de líder mais impopular dos EUA
No impagável Zelig, de Woody Allen, o personagem principal resume a condição humana: “Meu pai batia na minha mãe, que batia no meu irmão mais velho, que batia em mim, que batia no cachorro, que batia no gato”. Donald Trump confirmou essa terrível regra ao anunciar a saída do Acordo do Clima de Paris.
O presidente americano não consegue afastar a espada que paira sobre as costas de seu governo. A repercussão negativa da demissão do diretor do FBI, James Comey, que trouxe o risco real da perda de apoio do Partido Republicano no Congresso – e, com ela, um eventual impeachment –, levou o Departamento de Justiça a nomear Robert Mueller para conduzir uma investigação independente das relações entre Trump e seus auxiliares e o governo russo e a plutocracia de empresários que gravita a seu redor.
É uma manobra de alto risco e consequências imprevisíveis: Mueller, nomeado diretor do FBI por George W. Bush, provou sua independência ao longo de seus mais de dez anos no cargo, conquistando o respeito dos democratas. Se sua nomeação era necessária para restabelecer – ainda que temporariamente – a credibilidade do governo, por outro lado o desfecho do caso se torna imprevisível.
Na interceptação do inacreditável relato do embaixador Serguei Kislyak a seus superiores em Moscou, Jared Kushner, genro e assessor de Trump, teria proposto, no início de dezembro, durante a transição de governo, usarem o canal criptografado da representação russa em Washington para conversar sem serem grampeados pelo FBI. Kislyak teria declinado, por achar o plano arriscado demais, para todos.
A Lei Logan considera crime alguém negociar com um representante de outro país uma disputa com os Estados Unidos sem estar autorizado. Conversas secretas com o embaixador Kislyak já ocasionaram a queda do chefe do Conselho de Segurança Nacional, general Michael Flynn, e a exclusão do secretário de Justiça, Jeff Sessions, das investigações sobre a interferência russa na eleição presidencial em favor de Trump e as relações entre os dois governos.
Efeito dominó. Como diria “Zelig”, a imprensa bate em Trump e Trump bate no meio ambiente. Suas palavras, ao anunciar a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, traem a intenção de provar sua lealdade ao povo americano, colocada em xeque por tantas revelações: “Estou lutando todos os dias pelo grande povo deste país. Portanto, para cumprir meu solene dever de proteger a América e seus cidadãos, os Estados Unidos vão se retirar do Acordo do Clima de Paris, mas começar negociações para reingressar no Acordo de Paris ou numa negociação inteiramente nova em termos que sejam justos para os Estados Unidos e suas empresas, trabalhadores, seu povo, seus contribuintes”.
O presidente disse, durante a campanha, que faria isso. Mas, como tem acontecido com outras promessas impactantes, como o fim do livre-comércio, o muro na fronteira com o México e a repressão à imigração, depois de tomar posse, ele adotou posições mais sóbrias, indicando que as ameaças serviriam para reforçar sua posição de negociador.
Agora, seus assessores dizem que ele viajará pelo país para restabelecer o contato com seus eleitores. Que outras ameaças terão de ser cumpridas para ele se livrar da condição de presidente em começo de mandato mais impopular da história recente americana?
Escrevo de Jerusalém, e aqui, na semana passada, Trump evitou atitudes radicais, como reconhecer a cidade como capital de Israel e deixar que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu o acompanhasse em sua visita ao Muro das Lamentações. Uma ou outra extrapolação o descredenciaria perante os árabes como mediador da paz. Na campanha, Trump esboçara apoio incondicional a Israel. A busca desesperada por credibilidade o levará a “bater nos palestinos”?
Um presidente lutando pela sobrevivência tem um custo alto para um país. Pergunte ao Brasil de Michel Temer.
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.