O resultado apertado do segundo turno da eleição presidencial peruana, em que o economista Pedro Pablo Kuczinski venceu a deputada Keiko Fujimori por apenas 42.597 votos, de um universo de 18 milhões, mostra um país dividido ao meio. Isso é óbvio. Interessante é entender o que divide os peruanos
Não é o modelo econômico, que tem sido seguido, com extraordinário sucesso, nos últimos 26 anos. O que polarizou o país nessa e na eleição de 2011 foi a presença de Keiko Fujimori. Ela converteu ambos os processos eleitorais em plebiscitos sobre o legado de seu pai, Alberto Fujimori – que dissolveu o Congresso e suspendeu a Constituição em 1992 –, quanto à forma de enfrentar o terrorismo do Sendero Luminoso e a violência urbana que assombra os peruanos.
Como outros populistas de direita, Fujimori se notabilizou por enfrentar a violência com mais violência. Em sua década de governo, de 1990 a 2000, ele aterrorizou a zona rural em sua campanha para dizimar o Sendero, organização maoísta que promovia atrocidades contra a população. Fujimori acabou condenado em 2009 a 25 anos de prisão por apoiar a ação de esquadrões da morte e ordenar sequestros e torturas. Seguiu-se outra sentença de 7 anos e meio pelo desvio de US$ 6 bilhões. O chefe de seu serviço secreto, Vladimiro Montesinos, usou parte desse dinheiro para comprar o apoio de deputados e juízes.
Apesar dessa herança – e das suspeitas de que Keiko indultaria o pai –, ela obteve 39,86% dos votos válidos no primeiro turno e 49,88%, no segundo. Tendo disputado e quase vencido a eleição presidencial anterior, em 2011, e como líder da oposição, Keiko usufrui de um grande recall. Mas também de enorme rejeição: 45%. Seus eleitores citaram a criminalidade urbana como um dos motivos para apoiá-la. O modelo econômico que começou a ser construído por Fujimori, hoje estruturado sobre o rigoroso cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, a regulação da mineração de forma a atrair investimentos externos e a abertura e acordos comerciais, é bem visto pela maioria, mas não estava ameaçado nessa eleição – nem sofreu ruptura ao longo dos três governos que o sucederam desde 2000.
O próprio presidente Ollanta Humala, que entregará o cargo em 28 de julho, deu continuidade à política econômica e só se elegeu depois que se distanciou do venezuelano Hugo Chávez. O paralelismo entre os dois ex-tenentes-coronéis e ex-conspiradores de esquerda, amplamente explorado por Alan García na eleição de 2006, foi um dos principais motivos da derrota de Humala em sua primeira disputa presidencial.
Estabilidade. A economia peruana cresceu em média 6,4% nos últimos dez anos. Apesar de sua dependência das commodities minerais, em forte queda por causa da desaceleração da China, e dos efeitos danosos do El Niño sobre sua produção de pescados e batatas, o PIB peruano teve incremento de 3,3% no ano passado, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê crescimento de 3,7% para o país este ano.
Segundo Humala, em seu governo, a pobreza extrema diminuiu de 6,34% da população para 4,28%. Tudo isso, com inflação baixa: 3,5% em 2015 e projeção de 3,1% para este ano. Com uma relação dívida/PIB de 23%, um consenso acerca dos fundamentos macroeconômicos e uma estabilidade regulatória, o Peru inspira enorme confiança dos investidores. Enquanto os setores de mineração do Chile e da Colômbia sofrem com os cortes nos investimentos, o do Peru deve receber US$ 41 bilhões nos próximos cinco anos.
A história peruana recente não foi imune a atropelos. Em seu primeiro mandato, de 1985 a 1990, Alan García seguiu a então cartilha de seu tradicional partido de esquerda Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra) e nacionalizou os bancos, suspendeu os pagamentos da dívida externa e aumentou os gastos públicos. O resultado foi venezuelano: inflação de 7.500%, escassez de produtos básicos, 5 milhões de peruanos empurrados para a pobreza e intensificação do terrorismo do Sendero.
García acabou fugindo para a França para não ser preso por corrupção. Na sua segunda eleição, em 2006, já beneficiado pela prescrição dos crimes, García deu continuidade às políticas ortodoxas de seu antecessor, o economista Alejandro Toledo. Sua frase na época foi: “Aprendi com meus erros”. Essa parece ser a invejável virtude de seu país.
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