Grupo das nações em desenvolvimento insiste nos pontos firmados na Agenda 21
JOHANNESBURG – O Brasil e outros países em desenvolvimento lutam em Johannesburg para reafirmar os compromissos firmados na reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio em Doha, em novembro, e na Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, em Monterrey, em março. Os países ricos resistem em incluir os temas da liberalização do comércio e do financiamento no Plano de Implementação da Agenda 21, em discussão na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +10.
“Não queremos renegociar nada do que foi acertado em Doha e em Monterrey, mas integrar num documento único maneiras de resolver o problema do desenvolvimento sustentável, com metas”, disse o embaixador do Brasil na ONU, Gelson Fonseca, que chefia a equipe de oito negociadores brasileiros.
“Não existe desenvolvimento sustentável sem desenvolvimento e não existe desenvolvimento sem acesso a recursos para financiá-lo e sem abertura comercial.”
Os países ricos, chamados a pagar a conta, tentam fugir de metas sobre montante de recursos e prazos para custear programas de desenvolvimento sustentável. E também rejeitam a argumentação de que o combate à pobreza pressupõe o fim dos subsídios agrícolas e das barreiras protecionistas, por meio dos quais eles protegem seus mercados da competição de produtos primários dos países em desenvolvimento. “Achamos que precisamos de uma linguagem clara sobre esses temas”, declarou Fonseca, reconhecendo que o capítulo que os inclui, o dos Meios de Implementação, é o mais sensível dessa cúpula.
Na questão comercial, o Brasil e seus aliados não têm o apoio das organizações não-governamentais, preocupadas com problemas especificamente ambientais, e muitas delas ideologicamente contrárias ao livre mercado. “Na OMC, as ONGs apoiaram claramente o equilíbrio nas relações comerciais”, explicou Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute, baseado em Washington. “Mas o comércio não deveria estar na agenda desta cúpula.”
Marcelo Furtado, coordenador do Greenpeace na América Latina, é mais incisivo: “Não queremos que a Rio +10 se transforme numa Doha +10 meses.” O Brasil teme que, sem a definição de metas, com prazos e recursos, o Plano de Implementação se reduza a uma declaração de princípios e boas intenções.
Nesse ponto, as ONGs estão de acordo.
As negociações sobre os diversos temas que envolvem o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza prosseguem em Johannesburg. O texto só é aprovado por consenso. Se um dos 190 países representados fizer objeção, o trecho deve ser abandonado. As discussões são divididas por temas: meios de implementação, governança, biodiversidade, químicos, gestão de recursos naturais e energia.
Para ver aprovada sua proposta de meta para o uso de fontes renováveis de energia, o Brasil provavelmente terá de concordar com a inclusão das grandes hidrelétricas. “Elas fazem parte da negociação”, disse ao Estado o ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho. Os grupos ambientalistas discordam dessa inclusão, argumentando que, embora essa fonte de energia seja renovável, não é sustentável, por causa dos danos ambientais que provoca.
“Estou sentindo que mesmo no G-77 (o bloco ao qual pertence o Brasil, e que inclui os exportadores de petróleo), na União Européia e no Canadá, a chance de aprovar a proposta é com a inclusão delas”, avaliou o ministro, que chegou a Johannesburg na segunda-feira. “Para o Brasil, não faz diferença.” Excluindo as grandes hidrelétricas, a matriz energética brasileira tem 12% de fontes renováveis; incluindo-as, 40%. No mundo, o patamar é de 4,4%, com as grandes hidrelétricas; sem elas, cai para 2,2%.
A proposta brasileira, elaborada pelo secretário de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg, de atingir 10% de fontes renováveis de energia no mundo em dez anos, sofre forte resistência dos países exportadores de petróleo e dos EUA. A União Européia tem sua proposta, de atingir 15% até 2010, mas com um acréscimo de apenas 2% nos países industrializados. Com as grandes hidrelétricas, eles têm hoje 5,6% de fontes renováveis e os países em desenvolvimento, 28,5% – incluindo também a queima de lenha, rejeitada pelos ambientalistas.
Pela proposta européia, o esforço recairia sobre os países em desenvolvimento. As fontes renováveis são mais caras hoje do que a energia fóssil. O Brasil argumenta que um esforço comum, com investimento em tecnologia e aumento de escala, a tornaria mais barata no decorrer do tempo.
As fontes renováveis vão das mais conhecidas, como o álcool, a solar e a eólica, ao óleo de dendê e à beterraba.
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