Energia nuclear pode ser aceita como limpa

Tecnologia está sendo usada como moeda de troca para fechar acordo sobre renováveis

JOHANNESBURG – O Brasil negociava ontem à noite a inclusão, no Plano de Implementação da Agenda 21, de alguma menção a metas para o uso de fontes renováveis de energia. E se mostrava disposto a oferecer, como moeda de troca, e para a fúria dos ambientalistas, a aceitação da promoção da energia nuclear como forma limpa de energia.

O texto que estava sendo discutido no fim da noite de ontem pelos ministros do Meio Ambiente e de Relações Exteriores dos países representados na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável citava a meta de fontes renováveis como um princípio, sem estabelecer números. A proposta original brasileira, de meta global de 10% até 2010, enfrentou forte resistência dos países exportadores de petróleo, dos Estados Unidos, do Japão e da União Européia, que propôs meta de 15% até 2010, mas com os países industrializados aumentando sua fatia, hoje de 5,6%, em apenas 2%.

O texto em discussão fala em “desenvolver energia mais limpa, acessível (em termos de preço) e de boa relação custo-benefício, aperfeiçoar a tecnologia do combustível fóssil e promover a transferência (de todas essas fontes de energia) para os países em desenvolvimento”. Países como o Japão e a França consideram a energia nuclear um fonte limpa, mas os ambientalistas pressionavam ontem os governos a excluí-la expressamente.

À pergunta sobre qual a posição brasileira em relação a esse tema, o chanceler Celso Lafer disse que o País insistiria na meta dos 10% de fontes renováveis de energia. “Uma meta regional, desde que bem colocada, significa construção de bloco”, disse o chanceler, referindo-se à proposta de metas regionais e voluntárias do G-77, o bloco de países em desenvolvimento ao qual pertencem o Brasil e os exportadores de petróleo. E à expectativa brasileira de unificar sua proposta à da União Européia.

“Vamos ter dificuldades nas negociações”, ponderou Lafer. “Está-se procurando uma fórmula aceitável.” O chanceler lembrou que, enquanto na Alemanha os ecologistas são contra a energia nuclear, na França, ela representa importante fatia da matriz energética. “A França vai defender a energia nuclear porque é a energia de que ela dispõe e não vai aceitar que se delimite de forma tão clara seu uso, o que é natural.”

Confrontado com a posição do Japão, de que energia nuclear é limpa, Lafer respondeu: “É um argumento possível.” O chanceler lembrou que a Constituição brasileira “estimula a utilização pacífica da energia nuclear”, desde que tomados os cuidados necessários com a segurança, e que o País tem as usinas nucleares de Angra 1 e 2. Para ele, “acidente por acidente, acidentes em grandes hidrelétricas são igualmente sérios”.

“A perspectiva brasileira é sempre construtiva”, continuou Lafer. “Energia nuclear também é conhecimento, capacitação científica, medicina nuclear. Sei dos riscos. Mas pode ser que (a sua aceitação como energia limpa) nos ajude a desbloquear (as negociações).”

“Do jeito que está, o documento não só aprova o uso da energia nuclear nos países desenvolvidos, como a sua transferência para os países em desenvolvimento”, criticou Marcelo Furtado, coordenador do Greenpeace para a América Latina. Ele e outros ativistas defendiam ontem a eliminação de todo o parágrafo, caso se mantivesse essa formulação. Ainda que sob pena de excluir qualquer menção à energia renovável: “Preferimos não ter nada”, disse Furtado.

Carrocerias – Em reunião com o presidente Fernando Henrique Cardoso ontem à tarde, executivos da fabricante de ônibus Marcopolo apresentaram seu caso de sucesso na área das exportações e fizeram uma reivindicação: que o governo brasileiro facilitasse a aceitação como pagamento de produtos como petróleo e diamantes dos países da África Meridional, que têm interesse em comprar as carrocerias, mas não moeda forte para pagá-las. As carrocerias dos reluzentes ônibus de dois andares alugados pela organização da cúpula em Johannesburg são montadas pela empresa brasileira na África do Sul.

A reação do presidente foi positiva, segundo Mauro Bellini, responsável regional pela Marcopolo. A empresa se instalou na África do Sul em 1996, ano da primeira visita de FHC ao país. Naquele ano, exportou US$ 2 milhões em componentes para a montagem das carrocerias. Em seis anos, o volume saltou para US$ 20 milhões. No total, a companhia, fundada em 1949, exporta US$ 200 milhões por ano para 50 países.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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