Bloco de mais de cem países em desenvolvimento do qual participa o Brasil vive conflitos
JOHANNESBURG – O G-77, bloco de mais de cem países em desenvolvimento do qual participa o Brasil, já mostra suas fissuras em Johannesburgo, nas reuniões preliminares para a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que começa oficialmente nesta segunda-feira. Durante uma reunião plenária, no sábado, do G-77 com os outros blocos de países representados na conferência, integrantes do grupo, que supostamente deveria falar em uníssono, entraram em conflito por causa de um parágrafo sobre leis trabalhistas.
O parágrafo, que consta do esboço do Plano de Implementação da Agenda 21, prevê a destinação de mais recursos para programas de geração de emprego, desde que os contratos de trabalho obedeçam aos padrões estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A coordenação do G-77, a cargo da Venezuela, pediu a supressão do parágrafo. A delegação argentina informou então que não concordava com essa posição. O Brasil apoiou a Argentina, enquanto a quase totalidade dos 133 países que formam o grupo parecia estar de acordo com a supressão do parágrafo.
“Houve dois erros”, disse o embaixador do Brasil na ONU, Gelson Fonseca, que chefia a equipe de oito negociadores brasileiros. “Não se pode anunciar uma posição sem prévia negociação. E essa nunca seria a posição do grupo, porque há no G-77 três ou quatro países que acreditam na necessidade de respeitar os padrões da OIT.” De acordo com o embaixador, o que o incidente indica é que “é muito difícil coordenar o G-77”. Em boa parte dos casos, explica Fonseca, a coordenação conhece a posição do grupo. “Mas em muitos casos é preciso improvisar. Às vezes se improvisa bem e às vezes, mal”.
Já para o representante da filial brasileira do Greenpeace na conferência, Marcelo Furtado, a dissonância demonstrou que o G-77 “é um grupo pouco coeso”, além do que, “assusta o fato de os outros países não terem falado nada” em relação à supressão do parágrafo. O G-77 é um grupo infinitamente mais heterogêneo do que os outros blocos de países que atuam nas conferências da ONU: a União Européia e o Juscanz, sigla formada pelas iniciais em inglês de Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. É impossível estabelecer consenso no G-77 sobre temas-chave dessa cúpula.
Na demanda, por parte dos países ricos, em favor de “governança local”, por exemplo, a estratégia brasileira tem sido a de argumentar que ela é necessária, mas deve ter como contrapartida a “governança global”, que implica a obediência às instâncias multilaterais de decisão, das quais os Estados Unidos procuram escapar. Entretanto, é impossível levar adiante esse argumento junto com o G-77, que abriga regimes ditatoriais. E a carta da governança local é usada pelos países desenvolvidos nas negociações sobre temas de interesse dos países em desenvolvimento, como a liberação de recursos para financiar o desenvolvimento sustentável e a redução do protecionismo comercial.
Mais especificamente, o Brasil não pode contar com seus parceiros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) no G-77 para sua proposta de estabelecer como meta global o uso de 10% de fontes renováveis de energia até 2010. “O Brasil está algemado pelo G-77”, opina Cláudio Langone, presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente e secretário dessa pasta no Rio Grande do Sul. “Em Bali (na reunião preparatória da cúpula, em maio e junho), isso ficou muito evidente. A única saída é uma ruptura parcial, formando um bloco com a China, a Índia e a União Européia.”
Funcionários dos diversos ministérios representados nas conferências da ONU reconhecem que o ônus da participação do Brasil no G-77 tem crescido em relação ao bônus. A eventual mudança de alinhamento brasileiro, no entanto, depende de uma decisão política, que deve ficar para o próximo governo.
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.