Morador que fugiu de Diabaly descreve situação ao ‘Estado’
NIONO, Mali – O tabelião Moumouni Ouédraogo fugiu na tarde de sexta-feira de Diabaly, trazendo consigo 34 pessoas, inclusive as mulheres e filhos de dois militares. Em entrevista ao Estado, no gabinete do prefeito de Niono, Moriba Coulibaly, o tabelião descreveu a situação na cidade, sob a ocupação dos rebeldes islâmicos e os bombardeios franceses.
Ouédraogo conta que assistiu na terça-feira os combatentes executar na rua um militar, flagrado por causa de sua calça. Segundo ele, os militantes chamavam as crianças, davam-lhes biscoitos ou 2 mil francos da África Ocidental (R$ 9), perguntavam onde moravam e o que os pais delas faziam. Se fossem militares ou funcionários públicos, eram perseguidos e mortos.
O tabelião afirmou que o líder do grupo é um capitão de Diabaly chamado Oussouman Ag, que desertara junto com alguns de seus comandados. “Ele estava com dois filhos que nasceram em Diabaly, cuja certidão de nascimento eu fiz”, contou. Ele disse que os militantes usam barbas e os robes tradicionais, chamados aqui de boubou, com calças militares por baixo e coturnos. Em geral andavam na cidade com um fuzil no ombro e uma pistola em um coldre amarrado numa perna.
De acordo com Ouédraogo, são em sua maioria tuaregues malienses. Ele não viu nenhum árabe dentre eles, em contraste com os relatos de que haveria argelinos, incluindo Abu Zeid, líder da Al-Qaeda do Magreb Islâmico.
Ouédraogo disse que se sentiu “aliviado” quando começaram os bombardeios franceses, e elogiou a sua precisão. “Eu vi uma camionete ser atingida entre duas casas”, contou ele. “O projétil caiu exatamente no veículo, explodindo e matando os ocupantes.” Ele afirma ter visto 17 veículos “calcinados”, 11 combatentes islâmicos mortos no primeiro dia de bombardeio e outros 12 no segundo. Em contrapartida, o tabelião não sabe de nenhum civil morto pelos bombardeios. De acordo com uma fonte no quartel do Exército maliense em Niono, 37 feridos chegaram à cidade vindo de Diabaly.
O prefeito de Niono informou que cerca de 2 mil dos 15 mil moradores de Diabaly fugiram da cidade desde a segunda-feira. “Fomos salvos por François Hollande”, reconheceu Coulibaly, referindo-se ao presidente francês. À pergunta sobre o que pensou quando soube da invasão de Diabaly pelos militantes islâmicos, o prefeito disse: “Pensamos no Afeganistão, que tudo estava acabado: a ordem, a democracia. Eles dizem que querem impor a Sharia (Justiça islâmica), mas na verdade vivem à margem dela, violam os seus preceitos.” Coulibaly admitiu, no entanto, que existem pessoas na região que comungam as visões dos radicais islâmicos.
Tanto o tabelião quanto o prefeito manifestaram sua hostilidade em relação aos tuaregues – 10% da população -, aos quais Ouédraogo se referiu como “mercenários”. À pergunta sobre se o norte do Mali deveria ser entregue aos separatistas tuaregues, Coulibaly respondeu: “Jamais. Nossa nação é uma só.” Os separatistas, de orientação laica, vieram no início do ano passado da Líbia, onde eram apoiados pelo regime de Muamar Kadafi. Aliaram-se ao grupo Ansar Dine (Defensores da Fé), ligado à Al-Qaeda, e ocuparam três províncias do norte, que representam dois terços do país, e duas vezes o território da França. A aliança se desfez em junho, diante do plano do Ansar Dine de implantar uma república islâmica em todo o Mali.
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