Falando de improviso, presidente tenta elogiar Namíbia e acaba cometendo uma gafe
WINDHOEK, Namíbia – A idéia era fazer um balanço de seis dias de viagens por quatro países da África. O resultado foi a pior gafe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dez meses de governo. Num discurso de improviso ao lado do presidente da Namíbia, Sam Nujoma, Lula deu a entender que associava a África a pobreza e a feiura. E ainda manifestou seu desalento pela imagem de um Brasil habitado por “índios pobres”.
“Estou surpreso porque, quem chega a Windhoek, não parece que está num país africano”, confessou Lula. “Acho que poucas cidades do mundo são tão limpas e bonitas arquitetonicamente quanto esta cidade. E um povo extraordinário como tem.” Em seguida, o presidente fez uma analogia: “A visão que se faz da América do Sul é que nós somos todos índios pobres.”
Nesse ponto, seu tradutor, Sérgio Ferreira, trocou “índios pobres” por “pessoas bonitas” (beautiful people). Percebeu o erro e interrompeu Lula: “Perdão, presidente, não entendi.” Lula retomou: “A visão que se faz sobre a América do Sul, e sobretudo sobre o Brasil, é que nós somos apenas um país de índios muito pobres. E a visão que se faz da África é a de que também é um continente só de pobres.”
“Na verdade, se não fosse um grande tempo de colonização, e se não fossem as décadas de guerras, certamente os países africanos já teriam crescido extraordinariamente”, estimou o presidente. “Eu acho que a Namíbia é um exemplo extraordinário pela sua infra-estrutura, pelo combate à corrupção, pela democratização da política, e pela dedicação à parte mais pobre da população.”
A intenção óbvia do presidente, nesse discurso de apenas nove minutos (“não vou falar muito”, prometeu ele no início), era realçar os feitos da Namíbia, um país colonizado pelos alemães até a 1.ª Guerra Mundial e depois pelos sul-africanos, até atingir a independência, em 1990. Acabou enveredando por temas delicados, num país que até 13 anos atrás estava sob o regime de segregação racial do apartheid.
Nujoma preside a Namíbia desde a independência. Ex-líder marxista, venceu eleições em 1994 e 1999. No ano que vem, deve deixar o cargo, depois de 14 anos, com a realização de novas eleições. Com apenas 1,9 milhão de habitantes, numa área equivalente a um décimo da do Brasil, a Namíbia herdou, como ex-colônia, o padrão de infra-estrutura sul-africana, muito superior à dos outros países da África Negra. Sua arquitetura lembra as pequenas cidades alemãs, resquício de outro período colonial. Os brancos têm um padrão de vida comparável ao europeu, enquanto a população negra se aproxima mais à realidade do resto da África.
“O que aconteceu comigo nessa viagem foi um aprendizado, talvez o mais importante que eu tive até agora com dez meses de mandato”, testemunhou Lula. Ele contou que durante muito tempo se perguntou por que os grandes animais da África não foram para o lado do Brasil, se os dois continentes estiveram ligados, milhões de anos atrás.
Nessa viagem, o presidente disse ter concluído que o que Deus teve em mente foi o seguinte: “Eu não vou deixar nenhum animal de grande porte do lado do Brasil, mas eu vou criar as condições para que a mente, o coração e a estética do povo brasileiro e do povo africano sejam os mesmos.” E isso aconteceu, segundo Lula, que antes do discurso estivera em um churrasco em sua homenagem no Country Club de Windhoek. “O nosso país tem a cara, o jeito alegre e até a ginga do povo africano.”
O presidente vem de visita a três outros países africanos, tornando automática a comparação entre sua impressão positiva da Namíbia e o que vira em São Tomé e Príncipe, um dos países mais pobres da África; em Angola, devastada por três décadas de guerra civil; e em Moçambique, também empobrecido e superando gradualmente os efeitos da guerra terminada em 1992.
Na Assembléia Nacional de Angola, falando também de improviso na terça-feira, Lula já havia cometido uma gafe. “Nenhum país do mundo tem mais autoridade moral para falar de guerra do que Angola”, sentenciou o presidente brasileiro. “Primeiro foi a guerra contra Portugal, depois uma guerra interna. Qualquer historiador do mundo que queira escrever alguma coisa sobre guerra terá que escrever sobre Angola”, acrescentou Lula. “Se durante décadas vocês ensinaram o mundo a fazer guerra, eu queria pedir a vocês: ensinem o mundo agora a fazer a paz.”
O presidente estava descontraído. Ao ouvir o canto de um pavão dos jardins da State House, a residência oficial do presidente namibiano, Lula brincou: “O pavão está procurando a namorada.”
Originalmente, o evento na State House, último compromisso do presidente antes de partir para Pretória, na África do Sul, seria uma entrevista coletiva com Lula e Nujoma, com perguntas de dois jornalistas de cada país. A assessoria de Lula mudou o formato, convertendo-o em discursos dos dois presidentes sem perguntas da imprensa, supostamente para evitar que fosse abordado um tema embaraçoso: a afirmação categórica de Lula, na manhã de quarta-feira, de que um acordo com o Fundo Monetário Internacional não seria fechado antes de dezembro, e a conclusão do acordo, na tarde do mesmo dia. Desde aquela manhã, o presidente não voltou a aceitar perguntas da imprensa.
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