Gritos de socorro ainda ecoam nos escombros, mas operações de salvamento encontram apenas cadáveres
PORTO PRÍNCIPE –“Algo estranho está acontecendo.” Foi a última frase da estilista brasileira Olívia Elisa Bouillé, de 26 anos, que falava pelo skype com uma amiga em Munique, antes de ser soterrada pelo terremoto do dia 12, num quarto do Hotel Montana, em Porto Príncipe. No domingo, bombeiros brasileiros encontraram o seu corpo, ainda sentado na cadeira, com uma pá de madeira do ventilador de teto na testa e os braços tentando proteger a cabeça.
Os bombeiros a localizaram com a ajuda de seu pai, o francês Mériadeg Bouillé, de 69 anos, que escalava os escombros gritando o nome da filha. Ele também estava hospedado no hotel, cujos proprietários eram seus amigos, e onde vieram passar o réveillon. “Eu tinha esperança de encontrá-la viva”, disse ontem Bouillé, que como a filha mora em Munique.
No mesmo domingo, pela manhã, os bombeiros do Distrito Federal, em conjunto com equipes da Espanha e da Colômbia, resgataram viva a alemã Nadine Cardoso-Riedl, de 62 anos, dona do hotel. Os bombeiros ouviram os gritos de Nadine. O Corpo de Bombeiros do Distrito Federal recebeu a informação de que havia dois brasileiros hospedados no hotel: um de nome chinês no terceiro andar, e outra de sobrenome Picolini.
Três bombeiros brasileiros entraram ontem à tarde por um buraco na parede de concreto do fosso do elevador do Hotel Montana e desceram de rapel até o antigo lobby, no esforço para encontrar pessoas com vida, sete dias depois do terremoto que demoliu o edifício de cinco andares. As esperanças aumentaram depois que um dos bombeiros acreditou ter ouvido uma resposta quando ele gritou “alô” pelo buraco, incentivando-os a descer.
“Ouvi um ‘alô’ vindo bem fraco, mas de muito fundo”, disse o sargento Luiz Aquino, do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal. “Repeti o chamado e não ouvi nada de volta, mas a essa altura sabemos que as pessoas estão com as últimas forças. Às vezes, gritam e desfalecem.” Os bombeiros desceram então sustentados por uma corda, e encontraram um corpo esmagado por uma viga. No chão do lobby do hotel, havia uma frase, escrita em inglês com os dedos, na poeira: “Deus é Deus. Deus é tão bom para mim.” Além de cinco andares para cima, o luxuoso hotel, instalado no topo de uma montanha, tinha outros seis pisos para baixo, que permaneceram intactos. “Se retirarmos o corpo sob a viga, tudo isso desmorona”, disse o tenente-coronel Rogério Alvarenga, comandante dos bombeiros, em cima dos escombros.
Entre os soterrados, está a mulher do general chileno Ricardo Toro, vice-comandante das forças militares da ONU no Haiti. O casal morava numa casa ao lado do hotel, e acredita-se que ela estivesse na academia de ginástica, no lobby ou no banheiro. Toro assumiu pessoalmente o comando das operações de resgate, e passa o dia com o filho de 24 anos esperando por sinais de vida da mulher, María Teresa Dowling, de 45 anos. Ela tinha vindo em dezembro, para ficar com o marido, que está há um ano no Haiti, e tem mais um ano de missão pela frente.
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