PORTO PRÍNCIPE – O contêiner onde os jornalistas trabalham, na base do Exército brasileiro em Porto Príncipe, começa a vibrar. A eletricidade do gerador é cortada. “Está tremendo, gente. Todo mundo saia”, grita o coronel Alan Sampaio Santos, comandante de comunicação social do Exército.
O repórter do Estado sai com o laptop na mão, senta-se no chão da praça cercada de contêineres, e continua a escrever, provocando risos nos militares que se aglomeram em frente. “Essa foi de 5 e alguma coisa”, estima o coronel, situando o tremor na Escala Richter. O das 16h46 de terça-feira, que destruiu grande parte de Porto Príncipe, atingiu 7 graus na escala.
Na véspera, o repórter e o fotógrafo do Estado transmitiam seu material pelo telefone satelital no centro de Porto Príncipe, em frente a uma operação de resgate no prédio destruído do Ministério do Planejamento, quando o jipe alugado pelo jornal começou a balançar. A terra treme várias vezes por dia, no que os técnicos chamam de tremores secundários depois de um grande terremoto.
A cobertura da catástrofe do Haiti envolve o contato delicado de pessoas que perderam tudo, que estão com fome e sede, com repórteres com dólares nos bolsos, equipamentos caros e, mais importante, neste caso, com acesso a água e comida. Tudo isso, num país em que as já escassas forças de segurança – a polícia haitiana e os soldados da ONU – estão sobrecarregadas com as operações de salvamento.
A ordem nas ruas é praticamente resultado da boa vontade dos haitianos. Levando isso em conta, a situação é admiravelmente calma. Mas os repórteres são naturalmente vistos como fonte de dinheiro, e são constantemente assediados. A abordagem vai de um simples pedido de ajuda ou de esmola até a extorsão aberta. Fazer nosso trabalho sem ceder a esses assédios – que distorcem a relação entre jornalistas e entrevistados – é talvez o maior desafio desta cobertura.
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