País teme que expatriação precipitada de menores sobreviventes possa se converter em tráfico de pessoas
PORTO PRÍNCIPE – As imagens de milhares de crianças com fome, sede, desabrigadas e sem atendimento médico no Haiti despertaram em todo o mundo o interesse de adotá-las. Entidades especializadas em adoções internacionais e mesmo embaixadas se mobilizaram para fazer a ligação entre famílias candidatas e as crianças haitianas. Se depender do governo do Haiti, no entanto, por hora, nenhuma delas sairá do país, para evitar o risco de cometer erros e mesmo de tráfico de crianças.
O secretário de Estado para Ajuda Alimentar e Água, Michel Chancy, informou ontem que estão suspensos novos processos de adoção internacional. Apenas aqueles que já estavam em andamento nas embaixadas em Porto Príncipe seguirão adiante. “Estamos conscientes da nossa incapacidade, neste momento, de fazer avaliação correta de cada caso”, explicou Chancy. “Há um número muito grande de crianças cujos pais não sabemos onde estão.”
“Aproveitando o momento emocional, muitas pessoas oferecem uma vida melhor, e há o risco de deixar-se influenciar”, continuou o secretário. “Há ainda o perigo de tráfico de crianças, e por isso tomamos a medida administrativa de parar as adoções novas.”
Chancy disse que estão sendo distribuídos alimentos e água para 90 mil pessoas por dia em Porto Príncipe, com o emprego de 80 caminhões, que fazem duas viagens diárias. O Programa de Alimentos das Nações Unidas tem estocados mantimentos para 600 mil pessoas por dia, mas o problema é a logística da distribuição. Já há 330 pontos de entrega em Porto Príncipe.
À pergunta sobre quantas pessoas necessitam de ajuda no Haiti, Chancy respondeu que até ontem, com os bancos fechados, 3 milhões de habitantes – um terço da população – precisavam, porque o dinheiro tinha acabado. Os bancos começaram a ser abertos ontem no interior do país e a partir de amanhã, em Porto Príncipe. Com a reabertura das agências bancárias, esse número deve cair para 500 mil pessoas, que efetivamente não têm dinheiro para comprar comida. “Hoje (ontem), até eu preciso”, disse Chancy, mostrando o bolso vazio.
O secretário disse esperar que a reabertura dos bancos faça a economia voltar a mover-se. Ele disse também que o governo financiará os plantios a partir de fevereiro, como faz todos os anos, e ajudará também os pecuaristas.
O ministro do Interior, Paul Antoine Bienaimé, anunciou a construção de dez campos – ele prefere a palavra “cidades” – para 10 mil desabrigados cada, somando 100 mil pessoas. O Exército brasileiro está construindo um campo grande para a ONU, com capacidade para outras 100 mil. Grande parte da população de Porto Príncipe dorme nas ruas, ou porque suas casas ruíram ou por medo de que um novo tremor, como o que ocorreu na quarta-feira, atingindo 5,9 graus na Escala Richter, derrube ou acabe de derrubar a sua.
De acordo com o ministro da Saúde, Alex Larsen, cerca de 100 mil pessoas morreram em Porto Príncipe e outras 50 mil no interior do país. Já foram recolhidos 70 mil cadáveres. Ele disse que existem 34 hospitais funcionando no país – 12 do governo e o restante trazido pela comunidade internacional. Havia 13 hospitais antes do terremoto, e um deles foi destruído.
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