O Estado haitiano já era profundamente disfuncional antes do dia 12. Um dos aspectos mais trágicos do terremoto é que ele dizimou o que restava desse Estado, no momento em que a população mais necessita dele.
PORTO PRÍNCIPE – O presidente René Préval tem dito que o grande desafio de seu governo agora é a coordenação da ajuda humanitária. O desastre provocou enorme solidariedade internacional, traduzida em milhares de toneladas de mantimentos e medicamentos, que chegam de avião e por terra – o porto se tornou inutilizável. Mas nada disso chegará à população sem organização e coordenação. Na falta do Estado, a ONU tem assumido essa tarefa, relegando ao presidente René Préval o papel simbólico de anfitrião.
“Antes do terremoto, a administração e os serviços públicos já eram muito frágeis”, diz Michel Pinauldt, chefe de Serviços Extraordinários do Ministério do Interior francês, que até março do ano passado assistiu o governo haitiano na sua organização administrativa. “É neste momento que a eficiência tem de estar no nível máximo. Infelizmente não é o caso.” Pinauldt se reuniu ontem com Préval, que lhe pediu ajuda na reorganização da administração depois do desastre.
Não há informação firme sequer sobre questões básicas, como o número de funcionários públicos no país – e muito menos de quantos morreram no terremoto. Os números variam de 45 mil a 60 mil. De acordo com Pinauldt, não se sabe ao certo porque parte dos funcionários públicos não está na folha de pagamento do Estado: recebe diretamente dos cidadãos aos quais prestam serviços. “E não é propina.” É normal se pagar diretamente para garantir que um serviço público seja executado.
Cinquenta famílias se reuniram e pagaram US$ 5 mil, por exemplo, para que uma escavadeira do Ministério de Obras Públicas revirasse os escombros do prédio do Ministério do Planejamento, onde seus parentes estavam soterrados.
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