Revistas, apreensões e comida ruim são rotina no local
TEGUCIGALPA – Dois momentos paradoxais marcam a vida de um repórter que cobre conflitos. Primeiro, ele investe todo o seu tempo e energia para entrar em um lugar de onde todos estão tentando sair. Quase imediatamente depois, começa a organizar sua saída, que, pela mesma razão, nunca é simples.
Na terça-feira, depois de uma semana de negociações com autoridades civis e militares do governo de facto, o repórter do Estado obteve autorização para entrar, juntamente com o fotógrafo, na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, cercada por policiais e soldados do Exército.
Ontem foi o dia de cruzar de novo o portão verde, cuja portinhola os ocupantes da casa abrem ansiosamente todos os dias, para ver a comida, a roupa, os remédios e os visitantes chegarem, exatamente como numa prisão.
Até a primeira-dama Xiomara de Castro Zelaya sai na rua para despedir-se. Sob o olhar dos que ficam, incluindo o fotógrafo do Estado, o repórter e sua mochila são minuciosamente revistados e filmados pelos policiais e militares, alguns encapuzados.
Só se sai da casa na companhia do promotor de Justiça Alejandro Hidalgo, que inspeciona os procedimentos da polícia – afinal, muitos dos que estão lá dentro são acusados de crimes contra a ordem pública.
Um fotógrafo do Ministério Público registra o trabalho da polícia. Um dos policiais retira o laptop do repórter e pergunta ao promotor se pode abri-lo. “Só se o senhor tivesse uma ordem da Justiça”, responde Hidalgo, enquanto o policial guarda de volta o computador, desconsolado.
Depois de caminhar 50 metros, o repórter, o promotor, uma repórter e um cinegrafista da emissora de TV estatal venezuelana Telesur, que também estão de saída, e os policiais e militares param numa tenda com uma mesinha de plástico. Lá, o repórter se submetera à revista e ao confisco de alguns de seus objetos, na terça-feira. Num saco plástico, estão os de menor valor: um modem de internet, carregadores de celulares, adaptadores e remédios. O iPod e o rádio do repórter sumiram.
Policiais e soldados se acusam mutuamente de terem estado de guarda naquele dia, e ninguém sabe onde foram parar os aparelhos. Visivelmente constrangido, o promotor anota o endereço do repórter. “Se não encontrá-los, lhe mandaremos o dinheiro correspondente ao valor.” A repórter da Telesur se compadece: “Eu estava me queixando porque ficaram com meus cigarros, mas quando vi que levaram seu iPod, fiquei calada.”
Os jornalistas e o promotor continuam caminhando, até cruzar o último bloqueio da polícia e encontrar-se com os repórteres que dão plantão no acesso principal à embaixada. Entram numa van contratada pela Telesur, e seguem para o hotel onde quase todos os jornalistas se hospedam.
Todo o resto fica para trás: as filas para o banheiro, a comida fria e remexida pelos policias e cães farejadores, os sobressaltos pelo cerco ostensivo de atiradores do Exército e da polícia, o convívio com a “resistência” e, claro, a hipercobertura de Manuel Zelaya, pela simples razão de se estar dividindo com ele o mesmo exíguo espaço.
Mais tarde, toca o telefone no hotel. É o promotor, que aguarda no lobby com um policial e um militar, para mostrar o filme da chegada do repórter. Nele, o rádio aparece sendo confiscado. O iPod, não. “Vou investigar o que aconteceu com o rádio”, promete Hidalgo.
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