Deposição violou Carta hondurenha, diz ex-ministro

Jurista aliado de Zelaya defende que consulta popular que motivou golpe não era ilegal

TEGUCIGALPA – A Constituição hondurenha tem sido citada para respaldar a tese de que no dia 28 de junho não houve golpe de Estado, mas o cumprimento da lei. Isso porque a Constituição de 1982, redigida sob o trauma das ditaduras, prevê que aqueles que tentem violar ou mudar a cláusula pétrea segundo a qual não pode haver reeleição presidencial “cessarão de imediato no desempenho de seus respectivos cargos, e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública” (Artigo 239).

Mas a Constituição foi reiteradamente violada na destituição e expulsão do presidente Manuel Zelaya. Não só porque sua casa não poderia ter sido invadida antes das 6 horas, ou porque o mandado deveria ter sido cumprido pela polícia e não pelo Exército. Como hondurenho, Zelaya não poderia sequer ter sido expulso de seu país: “Nenhum hondurenho poderá ser expatriado nem entregue pelas autoridades a um Estado estrangeiro”, reza o Artigo 102.

Esses trechos parecem dar razão àqueles que acreditam que o problema está apenas na “forma” como Zelaya foi destituído. Mas outras passagens da Constituição põem em xeque a destituição em si. A começar pelo próprio Artigo 239. Zelaya foi destituído porque pretendia realizar uma consulta popular – sem caráter vinculante, com o mesmo valor de uma sondagem – sobre se os hondurenhos gostariam ou não que nas eleições de 29 de novembro, além de votar para presidente, deputados e prefeitos, houvesse uma “quarta urna” na qual decidiriam convocar ou não uma Assembleia Constituinte.

A consulta não mencionava reeleição presidencial nem quais itens da Constituição poderiam ser reformados. Apesar de sua proximidade com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, Zelaya não poderia estar criando um cenário para candidatar-se à reeleição, pela simples razão de que a decisão sobre a convocação da Constituinte coincidiria com a eleição presidencial.

Seu Partido Liberal tinha candidato, Elvín Santos.

Em qualquer caso, só uma sentença transitada em julgado poderia enquadrar Zelaya no Artigo 239 e decidir por sua destituição, argumenta o jurista Edmundo Orellana, ex-ministro da Justiça do presidente deposto. O termo “de imediato”, contido naquele artigo, diz Orellana, não suspende as garantias constitucionais da presunção da inocência e do direito à ampla defesa. O Congresso destituiu Zelaya de forma sumária, sem que esses passos tivessem sido dados pela Justiça. A Constituição dá ao Congresso poderes para definir a “probidade” ou “improbidade” administrativa, mas não para julgar se alguém cometeu crimes.

O decreto legislativo 141/2009, que destituiu Zelaya e colocou Roberto Micheletti em seu lugar, decide “improbar a conduta do presidente pelas reiteradas violações à Constituição e às leis”. O Congresso “usurpou” a função do Judiciário, conclui Orellana.

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