Estado de sítio vale só para zelaystas

Segundo polícia, apenas seguidores de deposto ‘desestabilizam a ordem’

TEGUCIGALPA – Do ponto de vista prático, o decreto presidencial que suspendeu no domingo as liberdades civis em Honduras continua de pé. O que significa que os governistas podem se manifestar; a oposição, não. “Enquanto o decreto estiver vigente, é preciso aplicá-lo”, disse ao Estado o porta-voz da polícia, delegado Orlin Cerrato. “Ele facilita o controle das manifestações, da mobilização das pessoas.”

À pergunta sobre por que manifestações a favor do governo de facto são permitidas, Cerrato explicou: “Porque as manifestações a favor do ex-presidente Manuel Zelaya são de maior violência, com fatos que desestabilizam a ordem interna. Já os que estão de acordo com o que aconteceu, com a paz e com a democracia, não são violentos”, completou o delegado. “O que aconteceu” foi a destituição e expulsão de Zelaya, há três meses. Ele disse que os zelayistas queimam edifícios e veículos. O decreto prevê que seja solicitada autorização para as manifestações com 24 horas de antecedência. As dos zelayistas não são autorizadas.

De acordo com o delegado, o cerco à embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde Zelaya está abrigado desde o dia 21, mobiliza 300 soldados do Exército e 100 policiais. Cerrato admitiu que, se a embaixada fosse considerada um “escritório comum”, como cogita o governo de facto, caso o Brasil não atenda o ultimato para definir em dez dias (a partir de sábado) o status de Zelaya, a polícia poderia pedir à Justiça autorização para entrar no prédio e prender Zelaya. “Mas, enquanto for a representação diplomática de um país amigo como o Brasil, está protegida pelo princípio da territorialidade, é um pedacinho de vocês”, ressalvou Cerrato.

Ele negou que a polícia tenha usado gases no sábado, quando ocupantes da embaixada afirmaram ter sentido mal-estar por causa de um suposto ataque químico contra o prédio. Cerrato disse também que em nenhum momento foi cortada a luz, água e telefone fixo da embaixada. Segundo ele, há racionamento de água em Tegucigalpa, e a aglomeração de 80 pessoas no prédio, depois que Zelaya o ocupou, há uma semana, exauriu a caixa d’água do prédio.

O delegado confirmou que, “em princípio, ninguém pode entrar na embaixada”, a não ser para entregar comida, prestar serviços de saúde ou religiosos. O acesso à embaixada é autorizado pelo presidente de facto, Roberto Micheletti.

Sérgio Guimarães, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Tegucigalpa, entrou ontem na embaixada, levando comida para os mais de 60 ocupantes da casa e roupas para Xiomara, a mulher de Zelaya. A comida para o casal Zelaya é feita na casa de uma de suas filhas, também de nome Xiomara. Os outros ocupantes da embaixada recebem ração menos sofisticada: tortilla, feijão e quesadillo (queijo branco), comprados em restaurantes de comida rápida. Guimarães não sabe quem paga pela comida: ele apenas a recebe e leva à embaixada, quase todos os dias.

Outra filha de Zelaya, Zoe, refugiou-se na embaixada de Taiwan em Tegucigalpa com o marido quando estava grávida de sete meses, dia 29 de junho, um dia depois da destituição do pai. No dia 10 de julho, ela deixou a embaixada, disse à France Presse uma fonte não identificada.

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