Candidato afasta resistências e ‘vende’ bem suas qualidades ao eleitorado
DENVER – Barack Obama terminou a semana melhor do que a começou. Os quatro dias de convenção democrata serviram para realçar para o eleitorado americano, que ainda conhecia pouco o senador de Illinois, as suas principais qualidades, e dar respostas às objeções mais importantes a sua candidatura, concordam especialistas ouvidos pelo Estado.
“Sem dúvida, Obama saiu mais forte da convenção”, afirma John Della Volpe, diretor de pesquisas de opinião do Instituto de Política da Universidade Harvard. Para ele, Obama tinha quatro objetivos nessa convenção, e atingiu todos: apresentar aos americanos sua mulher, Michelle; reconciliar-se com Bill e Hillary Clinton, depois da renhida disputa nas primárias; demonstrar as diferenças entre o governo de George W. Bush e as propostas democratas, particularmente na economia, repleta de problemas; e retratar-se como alguém preparado para ser comandante-chefe das Forças Armadas.
“Obama saiu muito mais forte depois de seu discurso da noite de quinta-feira e também depois dos discursos de Bill e de Hillary Clinton”, confirma o analista político Jerry Hagstrom, do National Journal, que acompanhou a convenção em Denver. “Os Clintons fizeram tudo o que podiam para transferir os eleitores de Hillary para Obama.” Ele ressalva que mulheres desapontadas por Hillary não ter sido escolhida vice e trabalhadores ainda resistem ao candidato.
Ao longo da semana, desfilaram na convenção pessoas comuns e políticos dando seu testemunho em favor de Obama, de 47 anos. Uma mulher de Illinois, o Estado pelo qual ele é senador, lembrou como Obama a encorajou a terminar a faculdade. Senadores que viajaram com Obama ao Afeganistão e ao Iraque atestaram que os militares, ao vê-lo, “reconheceram nele um líder e um comandante-chefe”. De resto, relatos de seu trabalho como líder de uma comunidade pobre em Chicago e das leis que ajudou a aprovar primeiro como senador estadual, depois como senador federal em primeiro mandato.
Para um observador neutro, podem parecer histórias triviais demais para alguém que quer ser presidente da maior potência do mundo. “Concordo que alguns desses testemunhos são tolos”, admite Hagstrom. “E é verdade que ele não tem tanta experiência. Mas com certeza tem mais que Sarah Palin”, compara, referindo-se à governadora do Alasca, de 44 anos, escolhida vice do candidato republicano, John McCain, que completou 72 anos na sexta-feira. “E Joe Biden (o vice de Obama, de 65 anos, 36 deles no Senado) contrabalança com sua enorme experiência.”
Para Della Volpe, o aval de Clinton, presidente por oito anos, foi valioso para Obama em seu esforço de qualificar-se aos olhos dos eleitores como comandante-chefe. “Clinton lembrou que esteve na mesma posição de Obama na eleição de 1992, de um desconhecido governador do Arkansas”, recorda. “As campanhas mudam algumas pessoas para melhor e outras para pior. Estamos vendo alguém amadurecendo diante de nossos olhos.”
A convenção colocou em evidência para milhões de telespectadores os pontos fortes de Obama. “Ele atrai os jovens por personificar a mudança e os brancos porque não expressa a raiva que muitos afro-americanos sentem”, analisa Hagstrom. Filho de pai negro – com quem não conviveu – e de mãe branca, Obama cresceu no Havaí e na Indonésia, em ambientes branco e asiático. Não tem o sotaque do sul, identificado com muitos políticos negros, nem o modo de falar dos negros urbanos de Nova York ou de Chicago.
Obama vinha sendo criticado pelo tom messiânico de seus discursos, com promessas vagas de mudança e poucas propostas concretas. No seu discurso de aceitação da nomeação, na quinta-feira, considerado o mais importante de sua carreira, ele enumerou metas objetivas, embora extremamente ambiciosas, como reduzir impostos de 95% dos americanos e eliminar a dependência do petróleo do Oriente Médio em apenas dez anos. “O discurso de quinta-feira à noite foi muito concreto e forte”, diz Della Volpe. “Falou das diferenças entre ele, Bush e McCain e que tipo de mudanças pretende realizar.”
Para William Galston, ex-assessor do ex-presidente Clinton e especialista em campanhas eleitorais da Brookings Institution, ficou evidente na convenção que o senador Biden foi uma boa escolha. Já a indicação da vice de McCain foi uma “decisão ousada e heterodoxa, de alguém que se mostra independente do Partido Republicano, mas também muito arriscada”, disse Galston, considerando a idade avançada e o câncer recente de McCain.
A escolha reflete o desejo – visível também nos democratas – de afastar-se do establishment político. “Há uma percepção no povo americano de que o governo fracassou em suas tarefas mais importantes”, observa Galston. “Os candidatos estão disputando essa eleição contra Washington.” No seu discurso de quinta-feira, Obama disse: “A mudança não virá de Washington, ela irá até lá.”
“McCain escolheu alguém do Estado mais distante possível de Washington (Alasca)”, ironiza Galston. “Mais longe, só o Havaí. Isso simboliza a rejeição de Washington.” Mas, observa, “ao mesmo tempo que não confiam no governo, os americanos criticam a falta de experiência de Obama, e McCain pôs em xeque sua capacidade de liderança. Se não fosse por isso, Biden não teria sido escolhido vice.”
O tênue equilíbrio entre experiência e mudança deve definir a eleição de 4 de novembro.
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