Gates não botou fé na perestroika

Quando analista de União Soviética na CIA, o novo secretário de Defesa cometeu erro de avaliação, mas é bom administrador, diz especialista

RIO – Para quem acompanha de perto os assuntos de inteligência e defesa nos Estados Unidos, o nome Robert Gates, do novo secretário de Defesa americano, remete a um dos mais fabulosos erros de avaliação dos últimos tempos. No fim dos anos 80, Gates, então um funcionário da CIA especialista em União Soviética, avaliou que a perestroika, a flexibilização do regime conduzida pelo presidente Mikhail Gorbachev, era uma manobra para enganar os Estados Unidos.

“Ele acreditava que a perestroika não era para valer, mas uma conspiração para desarmar a América”, recorda Edward Luttwak, especialista em defesa e ex-consultor do Pentágono. “Ele foi a última pessoa nos EUA a entender o que estava acontecendo. Isso está nos arquivos públicos. Não sou eu que estou acusando. Como analista, ele era sofrível”, diz Luttwak, que participou ontem no Rio de um encontro de estudos estratégicos promovido pela Escola de Guerra Naval.

“Entretanto, como administrador, ele é muito competente”, ressalva Luttwak, integrante do grupo que incentivou a modernização das Forças Armadas americanas, conduzida por Donald Rumsfeld, secretário de Defesa até anteontem. “Bob Gates foi um administrador muito bom da CIA.” Para Luttwak, é o que basta: “O novo secretário de Defesa só terá de administrar o desengajamento (do Iraque). Ninguém está pedindo a ele que pense.”

Luttwak não acredita que, sob Gates, a comunidade de inteligência, que viveu às turras com o Pentágono nos últimos anos, terá mais influência sobre a área de defesa. “Temos diplomatas e militares competentes, não agentes de inteligência”, diz o ácido analista, autor de Turbo-Capitalismo. “Nossa cultura é contra espionar. Ela não favorece a inteligência, e a nossa é terrível.”

Gates, de 63 anos, entrou para a CIA em 1966. Sua carreira sofreu impulso depois que George H. Bush, pai do atual presidente, e ex-diretor da central de inteligência, assumiu o cargo de vice-presidente, em 1981. Em 1991, com Bush já presidente, ele se tornou diretor da CIA. “Gates é uma prata da casa da família Bush”, diz Luttwak. “Precisamos de alguém confiável? Chame o Gates.”

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