Pesquisas indicam que muitos democratas, descontentes com o fato de a senadora não ter sido escolhida vice, pretendem votar em McCain
DENVER, EUA – A 70 dias da eleição presidencial nos Estados Unidos, os democratas chegaram ontem a Denver para a sua convenção nacional com a delicada tarefa de curar as feridas e unir o partido em torno de Barack Obama, depois de sua desgastante disputa com Hillary Clinton pela candidatura. Com as pesquisas mostrando uma fatia expressiva de democratas dispostos a votar no republicano John McCain ou a se abster no dia 4 de novembro, Hillary fez ontem uma eloqüente declaração de apoio a Obama, apesar de sua evidente frustração por não ter sido indicada vice em sua chapa.
Um novo comercial de McCain na televisão mostra simpatizantes de Hillary dizendo que vão votar no republicano e que ela deveria ser a candidata a vice, e não o senador Joe Biden. “Eu vi aqueles comerciais”, disse ontem Hillary num encontro com democratas hispânicos no primeiro dia da convenção, em Denver. “Eu sou Hillary Clinton e não aprovo essa mensagem”, assegurou ela, enquanto alguns militantes gritavam “unidade” e outros entoavam o seu nome.
“Os Clintons amam este país e amam o Partido Democrata”, disse Obama num comício em Davenport, Iowa. “Eles participarão ativamente da nossa campanha.” Ele admitiu, no entanto: “Teremos de trabalhar duro para convencer alguns dos que apóiam a senadora Clinton a embarcar (na nossa campanha) – mas isso não é surpresa.”
Segundo sondagem do Instituto Gallup publicada ontem pelo jornal USA Today, 30% dos filiados democratas que votaram em Hillary nas primárias votarão nas eleições em McCain, em outro candidato (que não Obama) ou em ninguém; 47% têm certeza de que votarão em Obama e 23% o apóiam no momento, mas admitem que poderão mudar de idéia.
Já uma pesquisa feita para o jornal The New York Times e a rede de TV CBS com delegados democratas partidários de Hillary indica que 42% votarão por ela na convenção; 43%, por Obama e 15% não haviam decidido ainda. Num ritual que Hillary qualificou como “catarse”, para seus 1.640 delegados (de um total de 4.439) demonstrarem sua força no partido, ela deverá apresentar seu nome na convenção, numa primeira votação, e depois pedir o apoio de seus militantes para Obama, no sufrágio definitivo que o nomeará candidato do partido. “Como superdelegada, votarei em Obama”, garantiu (além dos delegados eleitos nas primárias, dirigentes do partido votam como “superdelegados”).
A primeira pesquisa depois da escolha de Biden para a chapa de Obama, feita pela Opinion Research Corp. para a CNN, mostra o impacto da divisão democrata nas chances do candidato do partido. Obama, que antes liderava as pesquisas por três a cinco pontos porcentuais, aparece empatado com McCain, com 47% das intenções de voto. A fatia de simpatizantes de Hillary que dizem que votarão em McCain aumentou 11 pontos porcentuais desde junho – praticamente a margem de votos obtida por McCain para empatar com Obama.
Nos corredores do Centro de Convenções, os “clintonistas” procuravam ontem lidar com suas frustrações. “Sou mulher, e naturalmente temos sido colocadas de lado por muitos anos”, lamentou Vanessa Frazier, uma negra de 47 anos, delegada de Hillary por Missouri. “Temos de seguir adiante. Somos fortes”, continuou Vanessa, diretora-executiva da Child Development, entidade de assistência a crianças em Howard, no sudeste do Estado. “Estamos aqui para encorajar Hillary.” Depois da primeira votação, no entanto, ela garante: “Meu voto para Obama já está na urna.”
“Alguns democratas estão devastados e poderão não votar em Obama, mas acho que a maioria vai se sentir melhor até o dia das eleições e vai querer que o partido vença”, acrescentou Vanessa. “Estou muito orgulhosa de ser uma delegada de Hillary, mas como minha candidata não venceu, estarei muito orgulhosa em votar em Obama”, declarou Melanie Shakarian, delegada por Ohio. “Obama tem propostas na área de saúde, educação e pobreza alinhadas com os valores centrais democratas”, avalia Melanie, diretora da Legal Aid Society, que oferece assistência jurídica em Cleveland.
“Na nossa delegação há muitos delegados de Clinton que apóiam fortemente Obama”, assegurou o advogado Wayne Dowby, de 65 anos, de McComb, Mississipi, delegado de Obama. “Eles sabem que há muita coisa em jogo. Os americanos estão muito preocupados com os problemas enormes herdados pela administração Bush, como o gigantesco déficit público e a perda de prestígio dos Estados Unidos no mundo. Eles não querem mais quatro anos das mesmas políticas.”
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