Quando candidato, Trump prometia sair do Afeganistão. Nesta segunda-feira, anunciou que fica. A contradição que trouxe à tona um novo opositor: seu ex-chefe de estratégia
Em seu primeiro pronunciamento à nação em horário nobre, o presidente Donald Trump anunciou na noite desta segunda-feira o emprego de força “avassaladora” para o combate ao terrorismo no Afeganistão e no Paquistão. “O povo americano está cansado de guerra sem vitória”, disse o presidente, lembrando que a guerra do Afeganistão, que já dura 17 anos, é a mais longa da história do país.
O aumento da presença militar era defendido pelo almirante Herbert Raymond McMaster, chefe do Conselho de Segurança Nacional, e pelo secretário de Defesa, James Mattis.
Steve Bannon, demitido do cargo de estrategista-chefe da Casa Branca na sexta-feira, virou um dos mais ferrenhos críticos da medida, o que abriu um novo flanco de críticas com as quais Trump terá de lidar. Seu site de ultra-direita, o Breitbart News, que ele voltou a dirigir, publicou uma série de reportagens na noite de ontem desancando o governo. Uma delas diz que o pronunciamento de Trump é um “desapontamento para muitos que apoiaram sua defesa, durante a campanha, de encerrar as caras intervenções no exterior”.
As críticas ocorrem no momento em que a popularidade de Trump sofre novo golpe. Segundo pesquisa do Instituto Marist divulgada na segunda-feira pela rede NBC, a aprovação do governo Trump caiu abaixo de 40% nos três Estados cujos votos foram decisivos para sua vitória no ano passado: Michigan (36%), Pensilvânia (35%) e Wisconsin (34%).
Atualmente há 8.400 militares americanos combatendo no Afeganistão – 2.250 militares morreram em 17 anos de guerra. A decisão de aumentar o efetivo contrasta com o que Trump afirmou em 2013: que os EUA deveriam “sair do Afeganistão”. Há anos ele critica a forma como os governos americanos conduziram a intervenção no país, mas reconheceu, em 2015: “Neste ponto, você provavelmente tem de ficar, porque aquela coisa entrará em colapso cerca de dois segundos depois que eles saírem”.
Nessa segunda-feira, ele voltou a reconhecer que os EUA não podem se retirar agora. Mas garantiu que as Forças Armadas não serão mais empregadas para introduzir a democracia em outros países, e sim para defender os interesses americanos, a começar pelo combate ao terrorismo.
Bannon se colocava contra o envio de mais tropas, e chegou a propor a substituição dos militares americanos por mercenários. Preocupado em focar nas questões que interessam mais diretamente aos EUA, ele também se opôs ao bombardeio da base aérea síria de Shayrat, em abril, como punição pelo uso de armas químicas.
O Breitbart News acusava McMaster de ser contra Israel e condescendente com o Irã. Sua saída, na sexta-feira, marcou o fim da queda de braço entre ele e a cúpula militar americana.
Bannon era a faceta mais nacionalista da Casa Branca. Ele assumiu o cargo de estrategista da campanha de Trump em meados do ano passado, e desde então exerceu considerável influência sobre o candidato e depois presidente, que se identificava muito com ele. Além dos militares, o estrategista bateu cabeça também com o genro do presidente, Jared Kushner, com o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, e com o diretor do Conselho Econômico Nacional, Gary Cohn.
Bannon defendeu algumas das políticas que formam a identidade do governo Trump, como o endurecimento comercial com a China, o bloqueio da entrada de imigrantes e a saída do Acordo Climático de Paris — contra a opinião, nesse último caso, tanto de Cohn quanto de Ivanka Trump, filha do presidente. Mas sua saída não significa um recuo dessas posições, que afinal são também as do presidente.
Tanto assim que, no mesmo dia de sua demissão, os EUA anunciaram a abertura de uma investigação sobre o suposto roubo de tecnologia de empresas americanas pelos chineses — uma das armas na guerra comercial. No caso da imigração, outro assessor, Stephen Miller, que esteve à frente da elaboração do decreto de banimento dos imigrantes muçulmanos, no início do ano, continua prestigiado na Casa Branca.
A demissão de Bannon tem menos a ver com suas posições do que com o esforço do almirante John Kelly, recém-nomeado chefe de gabinete de Trump, de pôr ordem na Casa Branca, disciplinando o acesso livre ao presidente e coibindo os vazamentos de informações e o “fogo amigo”, na forma de críticas públicas entre integrantes do governo. Bannon fazia as três coisas.
Trump usou também o discurso para rebater as críticas a sua atitude de responsabilizar “muitos lados” pela violência na marcha nazista na Virgínia na sexta-feira retrasada, que deixou uma morta e 19 feridos. Ele enfatizou que as Forças Armadas são compostas pelas mais diversas raças, etnias e religiões, que formam “a mesma família americana”. E continuou: “não podemos ser uma força para a paz no mundo se não temos paz entre nós, se não superarmos nossas divisões”. Realmente, muitos têm esquecido isso. A começar pelo próprio presidente.
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