As lições que vêm do México

Há um paralelismo clássico entre as economias e as projeções geopolíticas do Brasil e do México, como os dois países mais importantes da América Latina. O momento vivido pelos mexicanos é bastante revelador para os brasileiros — sobretudo quanto àquilo que se deveria ter feito, ou continuar fazendo, no Brasil, e não foi. Nas duas últimas décadas, o México, em grande medida impulsionado pelo Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), mas também por uma evolução natural dos consensos de sua elite política, tem implementado uma série de reformas, sobre os pilares do equilíbrio fiscal e da abertura comercial. E apesar de suas graves tensões sociais e do poder do seu crime organizado, tem colhido bons frutos.

Depois de ter, assim como o Brasil, amargado a hiperinflação na década de 80, e feito um rigoroso ajuste nos anos 90, o México entrou no século 21 com índices civilizados. Em 2014, seu INPC foi de 4,08%; no ano passado, invejáveis 2,13%; neste ano, o acumulado até abril é de 0,65%, o que projeta um índice anualizado de 2,54%. Nada mau para uma economia que gira com um juro básico de 3,75%.

O desemprego está em apenas 3,7%. No ano passado, o PIB mexicano cresceu 2,5%. O índice anualizado dos dois últimos trimestres confirma essa tendência: 2,4% de outubro a dezembro e 2,6% nos primeiros três meses deste ano. Ante o trimestre anterior, o crescimento de janeiro a março foi 0,8%.

O desempenho esteve acima do esperado, e foi puxado pelo consumo, estimulado pela desaceleração da inflação e pela desvalorização do peso frente ao dólar. A queda da moeda aumentou o valor das remessas dos trabalhadores mexicanos nos Estados Unidos para suas famílias no México — que têm um peso significativo sobre a renda. A moeda mexicana perdeu em torno de 7% desde o início do ano, em parte por causa da expectativa dos investidores de que o Banco Central aumente a taxa de juros para conter a desvalorização do peso.

A atividade econômica é impulsionada pelo setor de serviços (que inclui o comércio), que cresceu no último trimestre 3,6%, pelo índice anualizado. Já o maior setor da economia, a indústria, que representa 17% do PIB, expandiu 1%. A indústria está se recuperando de uma contração iniciada no terceiro trimestre de 2014, ocasionada pela diminuição da demanda e da atividade industrial nos Estados Unidos. O país é o principal parceiro comercial do México, que fornece componentes para a indústria americana. Mas o setor que mais sofre com o cenário externo é a mineração, que responde por cerca de 5% do PIB. Ainda sofrendo com a queda do preço e da demanda por petróleo, o setor encolheu 3,3%.

Esses números mostram que, embora seja tradicional produtor de petróleo, o México não é mais tão dependente dessa e de outras commodities. Daí o menor impacto da desaceleração da China sobre a sua economia do que, por exemplo, sobre a do Brasil. Ainda assim, o México lançou em fevereiro um programa de modernização do setor, com cortes de gastos na Pemex, a estatal do petróleo, e leilões de exploração de petróleo por empresas estrangeiras.

Seu setor manufatureiro, impulsionado pelo mercado norte-americano, tem sido tão pujante que se tornou um dos alvos centrais das campanhas do republicano Donald Trump e do democrata Bernie Sanders — que denunciam a exportação de empregos industriais dos EUA para o seu vizinho do sul, via Nafta, em vigor desde 1994.

O México, entretanto,  adotou uma estratégia de comércio exterior que vai muito além do Nafta. Como parte de uma agressiva campanha de acordos bilaterais, firmou tratado de livre comércio com a União Europeia, que entrou em vigor em julho de 2000, e com o Japão, a partir de abril de 2005. Começa agora em junho nova rodada com a União Europeia, para expandir as trocas dos serviços. Um dos objetivos do México é aumentar o acesso de seus produtos agrícolas, como a banana, no mercado europeu.

Se tudo isso é de causar inveja, os analistas mexicanos têm uma visão sóbria do desempenho de seu país. À pergunta sobre se a economia mexicana entrou num círculo virtuoso, o embaixador Andrés Rozental, consultor e membro de conselhos de administração no México, no Brasil e no Canadá, responde: “A economia mexicana cresce de forma relativamente robusta se se compara com outros países de tamanho e características similares, sobretudo no caso do Brasil. Entretanto, seguimos crescendo abaixo das expectativas, tanto do governo quanto dos organismos internacionais. Por isso, não estaria de acordo em chamá-lo de ‘círculo virtuoso’. Só quando o México atingir crescimento anual real acima de 3% poderemos incluir essa expressão no nosso vocabulário”.

As ameaças de Trump de impor impostos alfandegários de 35% sobre produtos mexicanos lançam uma sombra sobre o céu do México. Em reunião no dia 2 em Washington com autoridades do setor comercial dos EUA e do Canadá, o ministro da Economia mexicano, Ildefonso Guajardo, advertiu que medidas desse tipo violariam os acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) e “espalhariam o caos”.

“As ameaças do Sr. Trump de impor tarifas de 35% ou de construir um muro ao longo da fronteira não são mais que retórica política durante a campanha presidencial”, descarta Rozental, ex-vice-chanceler e ex-embaixador perante a ONU em Genebra. “Mesmo na remota possibilidade de o candidato republicano ganhar a presidência, seria impossível aplicar esse tipo de medidas sem violar tratados existentes ou regras da OMC.”

Rogelio Ramírez de la O, diretor da consultoria Ecanal, mostra-se um pouco mais apreensivo: “A probabilidade de um imposto tão alto sobre as exportações mexicanas é exagerada, mas a ameaça é real. A agenda de Trump é letal para o modelo econômico mexicano”. Ramírez considera factível cobrar dos mexicanos o custo da construção do muro, se Trump for eleito e quiser mesmo levar essa ideia adiante: “Seria fácil financiá-lo com um imposto de 1% ou 2% sobre as remessas e securitizando esse ingresso para emitir um bônus que pague pelo custo do muro”.

O outro grande desafio mexicano é a violência do crime organizado em torno do tráfico de drogas e de armas para os Estados Unidos. De acordo com o Instituto para a Economia e a Paz (IEP), a chamada “guerra das drogas” custou cerca de US$ 110 bilhões no ano passado — ou 19% do PIB. O cálculo inclui os gastos com operações militares e policiais, o sistema de Justiça, tratamento médico, perda de produtividade e impacto negativo sobre a atividade econômica.  Já foi pior, no entanto. Em 2011, no auge da “guerra”,  esse custo era de US$ 160 bilhões. A violência tem caído ano a ano. Em 2015, a queda foi de 9,5%. Se o ritmo de diminuição da violência desde 2011 se mantiver, o IEP calcula que até 2020 o país poderá economizar US$ 300 bilhões.

“A violência afeta, sim, o crescimento econômico, e afugenta o investimento privado”, reconhece Rozental. “Mesmo com seus problemas políticos recentes, o Brasil atrai mais do dobro do investimento estrangeiro do que o México. Ainda que muitas empresas descontem o item violência como custo para fazer negócios em muitos países do mundo onde têm operações, não cabe dúvida de que o problema serve de desincentivo na hora de tomar decisões sobre investimentos em países que competem com o México.” Em 2014, o investimento estrangeiro direto no Brasil alcançou US$ 62 bilhões e no México, US$ 22,6 bilhões. “A violência é um questionamento diário à estabilidade econômica, porque é um lembrete de que o governo não pode aplicar a lei em uma parte muito importante do território nacional”, concorda Ramírez.

Rozental aponta outro “problema estrutural sério”: quase 50% da economia opera na informalidade, não paga impostos e oferece empregos instáveis e de baixa qualidade. Já Ramírez chama a atenção para o problema da corrupção. Somada à violência, ela mina a credibilidade das instituições, observa o consultor, o que prejudica os investimentos externos e, com eles, a atividade econômica. “Nosso maior desafio não é Donald Trump nem a violência”, assegura Juan Pardinas, diretor-geral do Instituto Mexicano para a Competitividade. “Os maiores obstáculos ao crescimento econômico são a corrupção e um débil Estado de Direito.”

“O México tem uma economia sólida graças a um complexo processo de reformas que teve início nas últimas décadas do século 20, sobretudo no que se refere ao equilíbrio fiscal e ao livre comércio”, avalia Pardinas. “A estabilidade macroeconômica, a livre flutuação da moeda, a inflação baixa e a abertura comercial têm dado ao México a capacidade de enfrentar crises globais (2008-09) e o choque financeiro sobre os países produtores de petróleo. Entretanto, o índice de crescimento é positivo, mas medíocre.”

O modelo de crescimento é uma preocupação para Ramírez. “Fala-se que o motor do crescimento é o consumo interno, mas na realidade é a depreciação do peso combinada com uma participação alta das exportações e crescimento muito baixo das importações devido ao incremento reduzido do investimento”, analisa o consultor. “As reformas estruturais não constribuíram com mais crescimento, que continua dependendo de fatores tradicionais, como o crescimento dos Estados Unidos e o aumento do crédito da banca comercial.” Ramírez adverte que a depreciação da moeda causa perdas nos fundos estrangeiros que investiram nos papéis em pesos, “e isso os distanciará desse mercado por vários anos”. Além do mais, a queda da moeda local eleva o custo do serviço da dívida externa pública e privada, o que inibe os investimentos e pressiona ainda mais o peso. E é ainda “um trauma para o setor privado, abala a credibilidade do governo e a estabilidade macroeconômica”.

Há muito para avançar no México. Mas pelo menos ele está na direção certa.

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