Após desgastes, presidente agrada a mexicanos com ação contra gripe
CIDADE DO MÉXICO – Estar no epicentro de uma epidemia que atemorizou o mundo e matou pelo menos 45 pessoas em seu país normalmente seria má notícia para um presidente. Não para Felipe Calderón, o sobrevivente. O surto da gripe suína no México deu ao presidente a oportunidade de exibir seus talentos de gerenciador de crises. Não que para isso tenham faltado crises, nos seus 29 meses de governo. Mas esta teve um desfecho rápido, capaz de influenciar positivamente nas eleições parlamentares de 5 de julho, concordam analistas ouvidos pelo Estado.
Pesquisa feita pelo Gabinete de Comunicação Estratégica mostra que os mexicanos aprovaram a conduta do presidente durante a epidemia. Numa escala de 0 a 10, Calderón recebeu a nota média de 7,1, seguido pelos governadores do Distrito Federal, Marcelo Ebrard, com 6,6, e do Estado do México, Enrique Peña Nieto, com 6,5. Apenas a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu nota melhor do que o presidente: 7,3.
Curiosamente, Ebrard, líder da corrente moderada do esquerdista Partido da Revolução Democrática (PRD), e Peña Nieto, do conservador Partido Revolucionário Institucional (PRI), deverão enfrentar o candidato do Partido da Ação Nacional (PAN), de Calderón, na eleição presidencial de 2012.
“O governo saiu ganhando muito claramente”, afirma o analista político Jorge Chabat, do Centro de Investigação e Docência Econômicas (Cide). “Calderón sai muito fortalecido. Ele é como aqueles times de futebol que jogam melhor com dez homens. É muito bom para gerenciar crises.”
Chabat lembra que Calderón ganhou a candidatura do PAN contra a vontade do então presidente Vicente Fox, do mesmo partido. Eleito, em julho de 2006, por uma margem de apenas 244 mil votos, num universo de 41,8 milhões (35,89% a 35,31%), enfrentou meses de confrontação de seu adversário, Andrés Manuel López Obrador, do PRD, que contestou o resultado e montou acampamento no centro da Cidade do México.
Assim que assumiu, Calderón lançou uma guerra contra o narcotráfico, desencadeando uma onda de violência sem precedentes no país (mais informações nesta página). Sobreveio a crise financeira mundial, na qual o México é um dos países mais prejudicados por causa de sua dependência das exportações para os Estados Unidos, dos turistas americanos e das remessas de imigrantes mexicanos.
Fora do México, o governo Calderón foi acusado de demorar para notificar a OMS da epidemia. Hoje se sabe que o primeiro caso da gripe suína no país surgiu em 10 de março; as três primeiras mortes, em 11 de abril. Mesmo assim, o alerta epidemiológico só foi feito no dia 23. Entretanto, no México, a discussão foi na direção contrária. A tendência de uma parte da população foi subestimar a gravidade da epidemia e acreditar que o governo, principalmente o do Distrito Federal, estava sendo excessivamente drástico, ao proibir bares e restaurantes de atender às mesas, restringindo-os às entregas em domicílio. O governador Ebrard foi acusado de seguir pretensões eleitorais.
Depois de sete décadas governados pelo PRI (entre 1929 e 2000), que imprimiu no Estado as marcas da corrupção e da manipulação política, os mexicanos têm a desconfiança escrita em seu código genético. A mesma pesquisa indica que 43,8% dos entrevistados não acreditam no surto da gripe suína. Dos 56,2% que acreditam, quase a metade (48,6%) acha que ele é ainda mais grave do que admitiram as autoridades. Feitas as contas, 7 em cada 10 mexicanos não acreditam no governo no que se refere à gripe suína – quatro porque ela não existe e três porque ela é pior.
CONFIANÇA
No balanço dessas percepções, a atitude firme de Calderón – que mandou fechar escolas, estádios, igrejas e outras aglomerações de pessoas – é mais bem aceita que a conduta drástica de Ebrard, que agravou a sensação de isolamento dos moradores do Distrito Federal. “Aqui, sempre se dá preferência às versões conspiratórias, mas as pessoas em geral sabem que alguma coisa aconteceu”, diz o americano Jeffrey Weldon, diretor do Departamento de Ciência Política do Instituto Tecnológico Autônomo do México (Itam).
“Uma epidemia é como um terremoto”, compara Weldon. “As pessoas não culpam o governo por ela, mas observam sua reação. Nesse caso, provavelmente vão dar crédito ao governo, porque ele reagiu com suficiente rapidez.” Weldon considera o desempenho na gestão da epidemia o maior trunfo para as eleições legislativas: “É difícil que o governo tenha êxito mensurável até julho no combate ao narcotráfico e a crise econômica deve durar até o fim do ano.”
O PAN goza de maioria simples na Câmara dos Deputados (206 das 500 cadeiras) e no Senado (52 das 128). A última pesquisa, feita pela Consulta Mitofsky dias antes da epidemia, indica vantagem do PRI, com 31,4%, sobre o PAN, com 26,2%. Entre março e abril, no entanto, o PRI perdeu um ponto porcentual. Chabat prevê que a diferença continuará diminuindo e considera o quadro para julho ainda indefinido. De qualquer maneira, ganhando o PAN ou o PRI, nenhum dos dois terá maioria absoluta. Continuarão tendo de negociar entre si para aprovar leis, como fazem hoje.
Quem mais perde é a esquerda em geral e López Obrador, em particular, que chegou a dizer na quarta-feira que “não há nenhum problema” sanitário no país. Sua corrente radical tornou-se minoritária no PRD. O partido, que teve 29% dos votos nas eleições legislativas de 2006, conta agora com 14,8%, segundo a pesquisa.
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