López Obrador radicaliza e perde apoio popular e partidário

Pesquisas mostram que líder esquerdista já não tem mais o capital político de antes para abalar a estabilidade do governo

CIDADE DO MÉXICO – Na torre da reitoria da Universidade Nacional Autônoma do México, um mural de 1946 do grande pintor David Alfaro Siqueiros enumera os anos-chave da atribulada história mexicana, desde a Conquista. No final, Siqueiros exprime as incertezas diante do futuro com este número cifrado: 19??. Ao virar o século, o México pareceu livrar-se da maldição numerológica. 

A eleição de Vicente Fox, em 2000, rompeu o domínio caudilhesco – entre violento e clientelista – de quase um século do Partido Revolucionário Institucional (PRI), e pareceu dar início a uma era de democracia e estabilidade. Seis anos depois, os pontos de interrogação de Siqueiros voltam a assombrar a história mexicana.

Depois de uma eleição na qual os mexicanos se dividiram ao meio entre dois candidatos, separados por apenas 233 mil votos, o derrotado rejeita o resultado e, com ele, as instituições que o amparam, e coloca sua gente na rua para parar o país, tentando desencadear uma revolução para refundar a república. Uma vez convalidada a eleição de Felipe Calderón pela Justiça eleitoral mexicana e pela comunidade internacional, a pergunta que se faz agora é: até que ponto Andrés Manuel López Obrador pode desestabilizar o México?

“Não muito”, aposta Luis Estrada, cientista político do Instituto Tecnológico Autônomo do México. “Ele está ficando só.” Especialista em opinião pública, Estrada observa que as quatro pesquisas feitas depois da eleição mostram que cerca de um terço dos eleitores apoiam a “resistência civil pacífica” contra o que os partidários de López Obrador consideram violação de leis durante a campanha e fraude na contagem dos votos. É uma perda significativa de apoio, para quem tivera metade dos votos no dia 2 de julho.

Segundo o especialista, dos três grandes partidos mexicanos, o Partido da Revolução Democrática (PRD), de López Obrador, é o que tem menos eleitores cativos. “O voto em López Obrador não é incondicional”, avalia Estrada. “Seus eleitores não têm vínculo forte com ele. Quando percebem que está radical demais, soltam-se dele.”

O mesmo parece estar ocorrendo com o próprio PRD, no qual López Obrador não tem uma raiz tão firme: ele aderiu ao partido no fim dos anos 80, vindo do PRI. Os congressistas do PRD, que lealmente atenderam ao desejo de seu candidato e impediram fisicamente que Fox lesse seu discurso anual de prestação de contas na Câmara dos Deputados, no dia 1.º, dão sinais de fadiga e pragmatismo. Fizeram na quinta-feira um acordo com os governistas para assegurar participação no rodízio da presidência da Casa. A Convergência, um dos três partidos da frente de oposição, não aderiu a um boicote da sessão que conferiu a Calderón o diploma de presidente eleito. “López Obrador se dirige a um abismo terrível”, conclui Estrada.

Para o analista Benito Nacif, há uma divergência de interesses entre López Obrador e seu partido. “Depois da derrota eleitoral, o objetivo dele continua o mesmo: a presidência”, diz Nacif, colunista do jornal Excelsior. “Para consegui-la, precisa manter a posição de líder supremo do PRD. Sua principal preocupação são as lideranças alternativas, que podem disputar a liderança do partido.”

O historiador Francisco Martín Moreno observa que governadores do PRD já têm demonstrado inquietação com o rumo tomado por López Obrador. “Ele está consumindo o capital político com o qual quer tomar o poder”, constata Martín. “Não poderá desestabilizar o próximo governo, porque está ficando só.”

Parte desse capital, López Obrador o tem perdido no seu principal reduto político, o Distrito Federal, do qual era governador antes de se lançar à presidência. E não só por motivos nobres, como o apego dos cidadãos às instituições – que ele mandou para o diabo, textualmente – mas também por razões mais mundanas.

O acampamento da “resistência” na Avenida Reforma, uma das principais artérias da capital, travou o já engarrafado trânsito da Cidade do México, e causou prejuízos calculados em 7 bilhões de pesos (US$ 636 milhões) ao comércio e aos serviços, que começaram a demitir.

O grosso da “resistência” é composto de vendedores ambulantes e taxistas informais – que tiveram salvo-conduto da administração López Obrador – e por aposentados que recebem cupons mensais de 700 pesos (US$ 63) para despesas em supermercados. Some-se a isso uma parte da esquerda intelectualizada, sobretudo das universidades públicas, que votou com ele e lhe permanece fiel.

Muitos dos críticos de López Obrador compartilham suas preocupações com a justiça social. “Ele tem um bom diagnóstico do país”, diz Martín Moreno. “Está equivocado na receita. A melhor maneira de ajudar os pobres é criar empregos. Pois ele assustou os empresários, que são os que geram empregos.” López Obrador, contrário à privatização e ao livre comércio, chamou o empresariado mexicano – que financiou comerciais de TV críticos a sua candidatura – de “parasitas” e “delinqüentes de colarinho branco”.

Mas as ações e a moeda se mantiveram estáveis, o fluxo de investimentos diretos seguiu aumentando e a previsão de crescimento da economia este ano foi revista para cima, superando os 4%. López Obrador, que liderou as pesquisas por muito tempo, já estava “precificado”, ou seja, assimilado pelos mercados bem antes da eleição. “Todo mundo já sabia que ele era um perigo”, diz Estrada. “O que mais ele pode fazer?”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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