Governo não atendeu a diretrizes estratégicas fixadas pela Organização Mundial da Saúde há pelo menos 3 anos
CIDADE DO MÉXICO –Guillermo Pérez tampa o nariz com a máscara para espirrar, e depois volta a empurrá-la para abaixo do queixo, para continuar falando. “As pesquisas ainda não indicam uma epidemia forte”, teoriza Pérez, de 62 anos, taxista há 40. “Não há mortes. É exagero.” Tipicamente, o mexicano, que sofreu queda de 60% no movimento de passageiros no seu ponto no aeroporto da Cidade do México, desconfia do vizinho do norte: “Por que você acha que Barack Obama veio sem a esposa? Eles vinham trazer a doença. A epidemia foi produzida por experimentos biológicos nos EUA.”
Pérez ao menos tem uma máscara cirúrgica. No início da tarde de sexta-feira, o pastor Homero Hernández circulava pela loja de departamentos Liverpool, no centro da cidade, com a mulher e três filhas adolescentes, todos sem máscaras. “Temos posto mais atenção em lavar as mãos”, disse o pastor de uma igreja presbiteriana de Texcoco, no leste da capital. “Achamos que está muito exagerado o bombardeio de informação. Convivemos com muita gente, e não conhecemos ninguém que tenha a infecção.”
As máscaras são distribuídas por soldados nas ruas. A displicência de muitos mexicanos contrasta com o rigor quase paranoico do governo, que mandou parar todas as atividades não essenciais. O zelo parece tardio. Em resposta a apelos da Organização Mundial da Saúde (OMS), no calor da gripe aviária, o governo mexicano traçou em 2006 um Plano Nacional de Resposta a uma Pandemia de Influenza. De acordo com o jornal Reforma, o plano previa que o país dispusesse de 5 milhões de medicamentos antivirais este ano. Ao reconhecer a epidemia, há dez dias, o Ministério da Saúde encontrou 1 milhão desses medicamentos em estoque, dos quais já distribuiu 600 mil.
O México também não seguiu outra recomendação da OMS, de 1999, para que os países criassem laboratórios de vacinas. Segundo o jornal El Universal, o país desmantelou em 1977 dois institutos nacionais, o de Higiene e o de Virologia, criados em 1956 e em 1960, respectivamente, que atendiam a 90% da demanda por vacinas. Hoje, a Birmex, que ficou em seu lugar, produz apenas 2 das 12 vacinas do esquema básico de vacinação. O jornal cita o Brasil como exemplo , por ter buscado a autossuficiência com base em um plano elaborado em 1998.
Há uma semelhança, no entanto, entre Brasil e México: ambos combinam desastrosas redes de saúde com hospitais públicos de referência de primeira linha, como o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, e o Instituto Nacional de Doenças Respiratórias (Iner), na Cidade do México. Na tarde de sexta-feira, os familiares de pacientes de gripe suína que esperavam na frente do Iner para a visita diária de meia hora só tinham elogios ao hospital.
“Daqui não me queixo”, disse Diana Fuentes, cujo marido, de 35 anos, está há 19 dias numa unidade de terapia intensiva, entubado e sedado. Seu filho de 3 anos, com sintomas de gripe, está sendo tratado com antibióticos, enquanto aguarda o resultado de exames. “Fomos atendidos por psicólogos e infectologistas, e meu marido está melhorando”, conta Diana. Os sintomas começaram há três semanas e meia. Ele foi o sexto diagnosticado com a nova doença no Iner.
O marido de Diana pagou 30 pesos (R$ 5) para passar com um clínico-geral numa rede privada de ambulatórios populares, que nada resolveu. Passou pelo Hospital-Geral, do Estado, e depois de 20 minutos foi mandado para casa. “A rede pública está nefasta”, resume Diana. Passou ainda por um médico particular, que diagnosticou pneumonia. “Ele tomava antibióticos e só piorava”, lembra a mulher. “Tinha dificuldade de respirar e seus lábios e unhas ficavam roxos.” O Iner faz uma triagem socioeconômica. Como o casal está desempregado, o tratamento é gratuito.
O pedreiro Rodrigo Hernández e seu irmão, também pedreiro, ganham 4.300 pesos (R$ 717) cada por mês e tiveram de pagar até agora mil pesos (R$ 167) pelo tratamento de sua mãe, de 70 anos, internada na terça. Mesmo assim, estão contentes: “Ela está tendo um atendimento muito bom.”
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