Moradores descrevem caçada aos estudantes

Testemunhas dizem que ouviram muitos tiros e jovens correndo

IGUALA, México – Eram 21 horas daquela sexta-feira, 26 de setembro. “Eu ia chegando em casa quando ouvi aquele monte de tiros”, diz uma moradora da Rua Álvarez, perto da esquina com a Perimetral Norte, uma avenida que margeia a cidade de Iguala. “Encerramo-nos aqui por muito tempo. Foi feio o tiroteio.” Ela e outros vizinhos estimam que tenha durado mais de uma hora. Em um vídeo que vários moradores do bairro têm em seus celulares, ouve-se a voz de um homem gritando: “Desçam do ônibus”, e uma moça respondendo: “Baixem primeiro suas armas”. Segue-se o som de disparos. Não se vê nada, na noite escura.

Quando os homens – que não se sabem se eram apenas policiais, ou também sicários do cartel de narcotraficantes Guerreros Unidos – abriram fogo, muitos jovens desceram correndo. Alguns pularam muros das casas, depois de bater desesperadamente nas portas, pedindo para entrar. Os policiais e talvez pistoleiros foram ao seu encalço. Um deles, mais tarde identificado como Julio César Mondragón, de 22 anos, foi cercado em uma rua atrás da Perimetral. Segundo sobreviventes, ele foi o único que enfrentou os policiais, chegando a cuspir em um deles. Seu rosto e olhos foram arrancados, com ele ainda vivo. Mondragón tinha uma filha de 15 dias.

Os três ônibus que traziam os estudantes de Ayotzinapa, a 250 km de Iguala, foram cercados nesse cruzamento. A rua amanheceu bloqueada por policiais na manhã seguinte, e um dos ônibus cravejado de balas ainda foi visto por moradores. Os estudantes fugiam do Zócalo, a praça central da cidade, onde pretendiam perturbar a festa de celebração da prestação de contas da então primeira-dama, María de los Ángeles Pineda, à frente do DIF, o órgão de assistência social municipal. Mas foram rechaçados pela Polícia Municipal.

A Rua Álvares era a única rota de fuga possível, já que as outras ruas são estreitas demais para ônibus fazerem curvas. Em uma rua perpendicular à Álvares, perto do cruzamento, há o amplo pátio de um lava-jato e depósito de bebidas, que, segundo moradores, funciona como base do braço armado do cartel, conhecido como Los Peques. “Por isso eles chegaram tão rápido”, explica um morador.

De acordo com o Ministério Público, confissões de membros do cartel Guerreros Unidos indicam que o então secretário de Segurança de Iguala, Felipe Flores, encarregado pelo prefeito José Luis Abarca de impedir que os estudantes estragassem a festa de sua mulher, “entregou-os” aos traficantes.

Um morador da Rua Álvares diz ter visto caminhonetes da Polícia Municipal passando vazias e voltando com as carrocerias cheias de corpos. Sicários presos afirmaram que os corpos foram queimados no lixão de Cocula, a 20 km de Iguala. Dali a polícia retirou restos carbonizados e em decomposição, que foram enviados na terça-feira para a Universidade de Innsbruck, na Áustria, um centro de referência em identificação de cadáveres. As esperanças de que tenha algum êxito são pequenas. Segundo o procurador-geral da República, Jesús Murillo Karam, somente uma rótula e outro pedaço de osso poderiam ter o seu DNA examinado. Os outros fragmentos estão muito queimados.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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