Presidente argentino deve ter seu mandato reforçado nas eleições parlamentares do domingo e, assim, levar adiante seu plano de reformas
O presidente Mauricio Macri deve ter seu mandato reforçado nas eleições parlamentares deste domingo, para levar adiante — ainda que de forma gradual — seu programa de cortes nos gastos públicos e reformas, segundo analistas ouvidos por EXAME. A autoconfiança de Macri, e sua crença no livre comércio, explicam a carta que ele enviou ao presidente Michel Temer, cobrando medidas para acelerar a integração do Mercosul e possibilitar acordos com o resto do mundo.
As eleições renovarão metade da Câmara e um terço do Senado, e não poderão conferir maioria absoluta ao governo Macri, mas sua representação deve aumentar um pouco, segundo as pesquisas, de 33% para 40% dos deputados. Com a oposição dividida entre peronistas a favor e contra a ex-presidente Cristina Kirchner (candidata a senadora), ficará mais fácil costurar alianças pontuais.
No topo da agenda, está a redução do déficit público, por meio do corte de gastos, já que, enquanto não houver um crescimento mais robusto, não serão possíveis aumentos nos impostos, explicou a EXAME Carlos Rivas, presidente da agência de classificação de risco Evaluadora Latinoamericana, de Buenos Aires.
“Na melhor das hipóteses, ainda haverá cinco ou seis anos de déficit, que o governo espera ir reduzindo lentamente”, prevê o economista. A diferença entre o que o governo gasta e arrecada está ao redor de 6,5% do PIB este ano. Mas, mesmo considerando que a economia deve crescer nos próximos anos, o déficit acumulado entre 2017 e 2021 deve atingir de 20% a 25%, estima Rivas.
Como o mercado financeiro argentino é muito pequeno, o governo se financia no mercado externo, provocando uma injeção de dólares de 4% do PIB, que mantém o peso sobrevalorizado, dificultando as exportações. Entretanto, há um otimismo com as eleições: “Todo mundo (no mercado) pensa que a ampliação da bancada do governo no Congresso será suficiente, e está se comportando com base nessa convicção”.
Passadas as eleições de domingo, espera-se que o presidente anuncie novos cortes nos subsídios para o gás, a eletricidade e o transporte público. Essas medidas já foram tomadas depois que Macri assumiu, em dezembro de 2015, provocando aumentos de cerca de 300% e a fúria de muitos argentinos. Mesmo assim, o atraso gerado pelo congelamento das tarifas nos governos de Néstor e Cristina Kirchner (de 2003 a 2015) está longe de recuperado. “Nesse período, o dólar subiu de 1 para 17 pesos, e as tarifas, que estavam basicamente dolarizadas, não subiram”, recorda Rivas. “Ainda falta muito.”
Kirchner tem insistido na campanha: “Vem aí um tarifaço”, enquanto Macri e os candidatos de sua frente, Cambiemos (Mudemos), não tocam no tema ajustes econômicos, preferindo salientar a queda da inflação, de 40% no ano passado para uma projeção de 22% este ano. De maneira que não se pode falar de “concessões” de Macri, mas sim de adiamento do debate, dizem os analistas.
“O mercado espera que as eleições corroborem o resultado das primárias de agosto”, descreve Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. Nas primárias, o governo empatou com o grupo de Kirchner na província de Buenos Aires, e foi a força dominante na maior parte do restante do país.
“Os setores econômicos estão muito mais confiantes de que o programa do governo se consolidará com o tempo, e de que essas eleições revalidarão seu mandato social, mesmo sem maioria no Congresso, dando densidade às reformas”, afirma Sica.
Além da contenção dos gastos das províncias e do governo nacional, o economista diz que na pauta estão as seguintes reformas: tributária; do mercado de capitais, para desburocratizar transações externas e dar mais eficiência; e cortes nos custos extra-salariais.
“Não haverá uma reforma trabalhista ao estilo do Brasil, mas mudanças setor por setor. Há muito problema de absenteísmo na indústria argentina, nos julgamentos da Justiça do Trabalho e nos esquemas de financiamento patronal”, enumera Sica.
Tudo isso tende a aumentar a competitividade dos setores produtivos argentinos, e seu apoio à abertura comercial pretendida por Macri. O presidente se queixa de que o Mercosul tem acordos de livre comércio com apenas 9% do PIB mundial, e mesmo assim parte deles está inativa. “Ele busca mais integração, comércio, investimentos e qualidade dos produtos argentinos”, descreve o consultor.
Essa é também a expectativa das empresas brasileiras com negócios na Argentina. “Entendo que todo o apoio que o governo obtenha nesta eleição favorece as relações com o Mercosul e, por consequência, com o Brasil, já que este governo tem uma posição amplamente mais favorável aos negócios internacionais que o anterior”, analisa Claudio Borsa, presidente do Grupo Brasil, em Buenos Aires, que reúne 51 empresas, 90% delas brasileiras, dos mais diversos setores (siderúrgico, têxtil, bancário, construção, embalagens, auto-peças, automotivo, tecnologia e metal-mecânico).
“Há muitas possibilidades de aumento dos investimentos brasileiros na Argentina, além das áreas em que hoje já existem”, comemora Borsa. Ele cita investimentos em infraestrutura, principalmente energia, tecnologia e meios de pagamento. “Também considero que um bom resultado eleitoral do governo favorece o Mercosul na busca de alianças comerciais com outros blocos, como a União Europeia e a Aliança do Pacífico”. Essa última está renegociando sua constituição, com a saída dos Estados Unidos.
Foi nesse contexto que Macri assinou no dia 28 uma carta para o presidente Michel Temer, entregue ao Itamaraty no dia 4 pelo embaixador argentino em Brasília, Carlos Magariños. O teor da carta, obtida pela Folha de S. Paulo, foi confirmado por fontes do governo argentino ouvidas pelo jornal Clarín. Nela, o presidente argentino cobra do colega brasileiro o cumprimento de uma decisão que ambos tomaram em fevereiro durante sua visita a Brasília, de fazer uma convergência das regulações técnicas, sanitárias e fito-sanitárias. Para isso, pediriam assistência técnica ao Banco Interamericano de Desenvolvimento. A medida é uma condição para que o Mercosul possa explorar acordos com novos parceiros.
Macri se queixa de que sete meses se passaram e ainda não se chegou à discussão “substantiva” das regras. Segundo as fontes ouvidas pelo Clarín, de um total de 79 regras alfandegárias e técnicas, não se chegou a um consenso sobre 20, justamente as que “mais afetam a Argentina”.
O país amarga um déficit comercial com o Brasil, que neste ano deve chegar a 7 bilhões de dólares. O governo Macri compreende que a diferença entre as exportações e importações brasileiras se deve à recessão vivida no Brasil, mas não quer que a situação se prolongue eternamente.
Mas, o que aconteceu com as resistências dos setores produtivos argentinos, que, como os brasileiros, exigiam proteção contra a competição externa?
“É verdade que num dado momento houve resistência de setores industriais a uma maior integração, em especial uma desconfiança dos dois países em relação à China, não tanto com a Europa”, reconhece Sica. “Mas ela foi se afrouxando. Setores da indústria brasileira, como a têxtil e de calçados, se internacionalizaram. Hoje tanto o setor privado quanto o público dos dois países estão muito mais alinhados em favor da integração”, continua o consultor. “Até porque nos últimos 25 anos a experiência mostrou que fechar o mercado não gerou vantagem competitiva para nenhum setor.”
Então, o que estamos esperando? Bom, digamos que Temer tem estado mais preocupado com sua permanência no Palácio do Planalto.
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