Empresários estudam ‘aliança’ com presidente

Setor recebe bem convite de Duhalde, mas antes quer ver novo pacote econômico 

BUENOS AIRES – O empresariado na Argentina recebeu bem o convite do presidente Eduardo Duhalde para a formação de uma “aliança” entre o governo e os setores produtivos, embora esboçando cautela. O discurso pareceu apropriado, mas, antes de dar uma opinião definitiva, os empresários querem ver o pacote de medidas econômicas, cujo anúncio foi adiado e poderia ser feito ainda hoje, mantendo o país todo em suspense.

“Pareceu-me um discurso muito importante, pela definição da relação com o setor produtivo e também pela forma como externou a situação drástica do país”, disse ao Estado Juan Carlos Lascurain, vice-presidente da União Industrial Argentina. Lascurain não quis comentar as medidas econômicas que a imprensa antecipou. “O mais importante, evidentemente, é que a Argentina sai da conversibilidade.” Segundo o líder empresarial, essa medida era necessária para quem “pensava seriamente numa integração regional, que não se podia levar a cabo com três sócios com câmbio flutuante (Brasil, Paraguai e Uruguai) e um (a Argentina) com câmbio fixo”.

“O principal para nós é a modificação da aliança, que antes era com o setor financeiro, e agora passa a ser com o setor produtivo”, declarou Cesar Torturella, vice-presidente da Confederação Geral Empresarial, que representa as pequenas e médias empresas. A anterior “aliança com o setor financeiro”, à qual se referiu o presidente, consistiu, no entender de Torturella, na prioridade dada pelo governo ao pagamento dos juros “altíssimos” da dívida. “Durante mais de dez anos, tivemos paridade entre o dólar e o peso, mas, mesmo assim, pagávamos juros de no mínimo 24% ao ano, quando noutros países é de 5% ou 6%”, comparou.

O governo poderá dar provas de sua nova intenção, estima o dirigente, deslocando a concessão de créditos do Banco de la Nación dos grandes para os pequenos investidores, e reabrindo o Banco de Desenvolvimento, fechado em 1991, na reforma do Estado promovida pelo então presidente Carlos Menem. Toturella acha que agora a Argentina deverá fazer como o Brasil, que se ocupa de “gerar trabalho” e de incentivar a “compra dos produtos locais”.

“A questão não é a indústria decidir colaborar com o governo”, disse uma fonte da Associação de Fábricas de Automotores (Adefa). “Essa decisão já foi tomada. Depois de 42 meses de recessão, a indústria automobilística não promoveu demissões. Sempre que lhe pediram sua colaboração, ela deu.”

“O que me preocupa é que ninguém falou no déficit fiscal, que foi o que criou tudo isso”, observou o presidente do Centro da Indústria Leiteira, Ricardo James. “O déficit fiscal levou à hiperinflação. Então se introduziu a conversibilidade, um sistema muito duro, destinado a não emitir moeda. O que os políticos fizeram? Endividaram o país e aí se chegou a essa situação.

Vamos apoiar tudo o que seja razoável, mas queremos ouvir coisas razoáveis.”

Aldo Roggio, da construção civil, advertiu que a desvalorização do peso criará uma situação difícil para o setor, que trabalha com insumos importados. “Mas faremos tudo para seguir em frente.”

A desvalorização dificultará a vida também das empresas brasileiras que exportam para a Argentina, mas deverá favorecer aquelas que produzem no país. Segundo Elói de Almeida, presidente do Grupo Brasil, que reúne 190 empresas brasileiras com negócios na Argentina, as que exportam são as fabricantes de eletrodomésticos, telefones celulares, computadores, impressoras e outros produtos eletrônicos. Por outro lado, empresas como a Decca, Tigre, Klabin, Suzano, Brahma, Sadia e Marcopolo têm fábricas na Argentina, e terão, em tese, mais facilidade de exportar, com a desvalorização.

A indústria local, sucatada, não tem como competir com os fabricantes brasileiros que exportam para a Argentina, mas o país pode passar a importar mais de concorrentes do Brasil, como os asiáticos, diz Elói. De qualquer maneira, dificilmente a situação pode piorar. A queda do real frente ao dólar e a recessão na Argentina levaram as empresas brasileiras a reduzir em 30% a 40% seus investimentos no país em 2002. 

 

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