Senadores não pouparam elogios ao Brasil

País foi citado como exemplo pela forma como lidou com o câmbio e a estabilização

BUENOS AIRES – Foi um ritual lento e penoso. Os senadores argentinos enterraram ontem a conversibilidade – os deputados já tinham jogado sua pá de terra no sábado – com discursos que, inevitavelmente, destacaram mais seus vícios que suas virtudes. Poucos apareceram para defender um regime que não sofrera contestação nem mesmo pela União Cívica Radical (UCR) e pela Frepaso, ao assumirem o poder, em 1999, pondo fim a uma década de menemismo. Os elogios, ontem, não foram para a antes intocável conversibilidade, mas para o regime brasileiro, tornando o ritual, para os argentinos, ainda mais desconcertante.

 “Aqui se olhava com desdém os irmãos latino-americanos, com suas moedas desvalorizadas, enquanto a Argentina, insolente, mantinha a paridade do peso com o dólar”, recordou tristemente o senador Oscar Lamberto, do Partido Justicialista. “Brasil, México e Chile já realizaram seus ajustes dolorosos. Teria sido muito melhor se tivéssemos saído da conversibilidade um ou dois anos atrás. Agora, saímos nas piores condições, com uma lei de emergência.”
Lamberto, recém-indicado secretário da Fazenda, cargo responsável pela preparação do Orçamento e vigilância dos gastos do Estado, ensinou: “O Brasil, o Chile e a Europa nunca reduziram o papel do Estado como administrador e regulador, enquanto os fundamentalistas aqui achavam que o mercado resolvia tudo.”
Mas não foi só para apoiar o projeto do governo que os senadores elogiaram o Brasil. “Deveríamos ter construído um sistema como o dos EUA, da Europa e do Brasil, que geram confiança nos cidadãos”, declarou Ricardo Gómez Diez, do opositor Partido Renovador. “Como será o nosso sistema? Haverá um dólar para os produtos agropecuários e outro para um setor industrial?”, perguntou, referindo-se aos temores de que a distinção entre dólar comercial e dólar turismo dê origem a esquemas de proteção cambial de alguns setores.
“Um regime cambial tem de ser considerado num contexto geral de um programa econômico”, sentenciou Gómez Diez. Para o senador, o governo inverteu a ordem das coisas, ao modificar primeiro o regime cambial, sem apresentar um programa econômico.
Na mesma linha, o senador Rodolfo Terragno, da UCR, do ex-presidente Fernando de la Rúa, argumentou que estabelecer um “número” — 1,35 ou 1,40 — para a nova cotação do peso em dólares não é suficiente para dar estabilidade ao país. “É melhor estabelecer um critério”, disse ele, advertindo que o novo ministro da Economia, Jorge Remes Lenicov, será “puxado de um lado para o outro”, e o câmbio não pode ficar ao sabor das pressões que o governo sofrerá.
Terragno lembrou que, em 1995, num debate de televisão com o ex-ministro Domingo Cavallo, defendeu a incorporação do euro e do real à cesta de moedas. “Cinco anos mais tarde, Cavallo incorporou apenas o euro”, lamentou o senador. “Era fundamental incluir também o real, porque é a moeda do nosso principal parceiro comercial, cuja variabilidade mais afeta a economia argentina, e o país com o qual desejamos construir uma integração regional, que deve culminar em união monetária.”
Terragno chegou a fazer um exercício matemático: pelo câmbio de sexta-feira, se a cesta com as três moedas estivesse em vigor, o peso valeria 1,36 – aproximadamente o patamar para o qual deve cair, com a desvalorização iminente.
Nos discursos dos senadores, parecia latente o temor abertamente assumido nas ruas: o de que o fim da conversibilidade inaugure uma nova etapa de descontrole inflacionário. Foi o horror a esse cenário que levou Carlos Menem e De la Rúa a se apegarem firmemente ao regime, que começou a dar mostras de fadiga já em meados da década. Do fundo desse temor, emergiu uma curiosa noção de que os argentinos são mais vorazes em demarcar preços do que outros povos do planeta.
Com uma anedota, o senador Raúl Baglini, da UCR, deu a dimensão do sentimento de inferioridade dos argentinos nesse raro momento de sua história. Segundo ele, na época da desvalorização do real, em 1999, todos os jornais brasileiros mostraram na primeira página o caso de uma loja de ferragens, que havia aumentado os preços em 65%. “Descobriram que o dono da loja era um argentino, provavelmente condicionado a uma cultura que mata não só o consumidor, mas também resulta no suicídio do comerciante.”

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