Instabilidade boliviana deve continuar

Bases do governo e de sindicalistas não são firmes e pactos são inconsistentes

 

LA PAZ – Os pactos entre o presidente Carlos Mesa e o Congresso, de um lado, e entre os líderes indígenas e a Central Operária Boliviana (COB), de outro, dão origem, literalmente da noite para o dia, a um realinhamento de forças políticas e a uma nova polarização. A análise é de Jorge Lazarte, professor de ciência política da Universidade Católica de La Paz. A consistência dos dois pactos, no entanto, é duvidosa.

“São grupos instáveis, que não representam bases firmes”, observa o sociólogo José Blanes, do Centro Boliviano de Estudos Multidisciplinares. Evo Morales, o líder cocaleiro e dirigente do Movimento ao Socialismo (MAS), tem perdido a simpatia de parte do eleitorado urbano, angariada durante a campanha presidencial de 2002, quando obteve um surpreendente terceiro lugar. “Morales vai ser muito cuidadoso”, prevê Blanes. “Ele está perdendo muita aceitação. Seu campo estratégico de expansão pode estar erodindo.”

A representatividade da COB também se tem reduzido a olhos vistos nos últimos anos. Sua base tradicional são os sindicatos de mineiros, dos quais provém o próprio Jaime Solares, secretário-executivo da central. Essa base era forte nos tempos da estatal Corporação Mineira da Bolívia. Hoje, o grosso da exploração mineral está nas mãos da iniciativa privada, especialmente de cooperativas de mineiros, não filiados à COB. Mesa vem negociando um pacote de benefícios e fomentos para as cooperativas, e as manifestações de mineiros ocorridas nos últimos dias foram a seu favor, ao contrário do que aconteceu há um ano e meio, quando eles ajudaram a derrubar o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada.

Já a representatividade de Felipe Quispe, o líder do Movimento Indígena Pachacútec, está restrita a comunidades na região do Lago Titicaca, observa Blanes. O enfraquecimento de Quispe se refletiu em sua recente renúncia à direção da Confederação Sindical de Trabalhadores Camponeses da Bolívia, depois que sua liderança foi desafiada por dissidências internas.

Quanto à capacidade dessa “frente” de fazer um estrago, independentemente de sua representatividade, Blanes acredita que dependerá de como reagirão os outros setores, como os partidos, entidades empresariais, Igreja, Defensoria do Povo e organizações de defesa dos direitos humanos. “Até aqui, trataram os bloqueis com permissividade, deixaram Mesa sozinho.” Em qualquer caso, o sociólogo acha que os bloqueios não poderão ser longos, por ser época de colheita e pelas dificuldades de mobilização desses grupos.

Por outro lado, a durabilidade do pacto entre o presidente e o Congresso não parece garantida. “Não estou seguro de sua consistência”, diz Lazarte. “É um pacto para salvar o presidente. É um apoio por falta de opção.” A aceitação do pedido de renúncia de Mesa levaria ao cargo o presidente do Senado, Hormando Vaca Díez, do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), uma figura controvertida dentro do próprio Congresso, acusado de ter usado meios escusos para obter sua reeleição, em agosto do ano passado. 


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