No centro de La Paz, isolada pelas barricadas, reina o silêncio
LA PAZ – Talvez o que mais chamasse a atenção no centro de La Paz, ontem à tarde, fosse o silêncio. A multidão nas ruas, com a feição marcadamente indígena dos camponeses e vendedores ambulantes, apenas se entreolhava, enquanto retocava suas barricadas com novas pedras e esperava o desfecho das negociações na residência presidencial. Vários prédios antigos estão em ruínas no centro histórico, castigado por depredações e incêndios. Todas as lojas e escritórios estavam fechados ontem, com exceção de uma farmácia. E de alguns camelôs, que não tinham para quem vender seus biscoitos, doces, pilhas, canetas, etc.
Somente veículos militares circulam pelas ruas. Os vôos regulares para La Paz estão cancelados. As estradas de acesso à cidade estão bloqueadas pelas barricadas, incluindo a que a liga a El Alto, onde fica o aeroporto. Meninos jogavam bola ontem nessa estrada, enquanto os adultos que moram nas favelas à sua margem caminhavam placidamente, como se estivessem num calçadão.
Não houve confrontos ontem em La Paz, apenas uma marcha pacífica da Confederação Sindical dos Motoristas. Mas o clima é de hostilidade. Basta um repórter sacar uma câmera fotográfica para que comecem os gritos de “fora, gringos”. A xenofobia corre solta no país. “Não se metam com a Bolívia, somos índios bem índios, mas somos donos de nossas riquezas”, dizia ontem uma manifestante em Cochabamba, no telejornal da noite. “Estão entregando nossas riquezas para o Chile e os Estados Unidos”, explicava um comerciante.
Nessas condições, adentrar La Paz sem ter feições indígenas nem falar aimara, o principal idioma dos nativos, é uma aventura. O primeiro problema é chegar à cidade. Os vôos da Varig e de outras companhias aéreas estão indo apenas até Santa Cruz de la Sierra, 903 quilômetros a leste de La Paz. Daí, há vôos do Lloyd Aereo Boliviano até Cochabamba, que fica no meio do caminho.
Para voar os 403 quilômetros restantes, o Estado fretou um bimotor de seis lugares, junto com dois repórteres da agência Reuters e um do jornal Los Angeles Times. A avioneta pousou às 17h (18h em Brasília) no Aeroporto Internacional J F Kennedy, inteiramente deserto. O único meio de descer os 15 quilômetros que o separam até o centro de La Paz são as bicicletas dos moradores das redondezas. Por módicos 25 bolivianos (US$ 3,30), os ciclistas concordaram em transportar os repórteres e as bagagens.
No percurso, os manifestantes, alguns ocupados em incrementar as barricadas com tijolos arrancados do posto de pedágio destruído, olhavam com desconfiança para aquele pequeno comboio de bicicletas descendo a cerca de 60 quilômetros por hora – embaladas por um declive de 500 metros, que é a diferença de altitude entre El Alto e La Paz. Mas não tinham tempo de reagir.
Finalmente em La Paz, a reação dos poucos hóspedes do hotel foi de incredulidade. Para aqueles que querem deixar a cidade, no entanto, a solução não se aplica: é impossível vencer a subida em direção ao aeroporto com um carona ou bagagens na garupa. Os moradores de El Alto voltam empurrando as bicicletas. Uma vez aqui, é preciso ficar.