No Chapare, seu reduto político, presidente boliviano diz que combaterá o narcotráfico e exige que cada família observe os limites de cultivo fixados pelo governo
SHINAHOTA – O presidente Evo Morales fez ontem o primeiro esboço de sua política para o cultivo de coca na Bolívia. Falando a uma multidão de 30 mil cocaleiros em Shinahota, na região do Chapare, Morales exigiu que cada família limite seus cultivos à área de um “cato”, equivalente a 1.600 metros quadrados, conforme acordo firmado com o governo anterior, em 2004. E se comprometeu a combater o narcotráfico.
“O Movimento ao Socialismo (MAS) foi parido com folha de coca”, disse o presidente, referindo-se ao seu partido, surgido no Chapare, região tropical do centro-oeste do país, no Departamento de Cochabamba. “Ela jamais será abolida pelo MAS. Mas é importante cumprir com nossos acordos.”
Morales prometeu realizar um estudo sobre a demanda de folha de coca para abastecer a Bolívia para o consumo tradicional – o hábito de mascar a folha, usá-la em medicamentos naturais, como base para cosméticos e em rituais sagrados. O estudo está previsto numa lei de 1988, que instituiu um limite de 12 mil hectares para o cultivo de coca apenas no Vale dos Yungas, no Departamento de La Paz, mas nunca foi feito.
“O estudo virá. Por enquanto, respeitem o cato de coca”, disse Morales, em sua primeira visita ao seu reduto como presidente. No Chapare, o acordo de 2004 prevê o cultivo de 3.200 hectares. Imagens de satélite indicam, no entanto, que ele ocupe cerca de 10 mil hectares.
“Queremos contribuir para a luta contra o narcotráfico nacionalizando o consumo da folha de coca boliviana”, continuou Morales. Mais adiante, numa aparente contradição, o presidente disse que será formada uma comissão de trabalho para propor a liberação da venda de folha de coca boliviana para a Argentina. Segundo ele, o presidente Néstor Kirchner lhe contou que o consumo da folha é permitido no norte da Argentina, que faz fronteira com a Bolívia, mas a sua importação é proibida. Liberal com as palavras, Morales aparentemente quis dizer, com “nacionalização”, o consumo tradicional pelas comunidades indígenas, mesmo que fora da Bolívia.
O presidente anunciou que o novo responsável pela área será Felipe Cáceres, líder cocaleiro da região do Trópico de Cochabamba. Sua pasta também mudará de nome, de Vice-Ministério do Desenvolvimento Alternativo para Vice-Ministério da Coca e do Desenvolvimento Integral.
Morales esclareceu que a “despenalização” da coca, por ele defendida, não significa liberar o cultivo da planta na Bolívia, mas uma campanha internacional que Cáceres conduzirá para retirar a coca da lista de drogas ilícitas elaborada por uma convenção de Viena, nos anos 60.
“Tenho em minha casa em Cochabamba produtos de coca industrializados no Peru”, disse Morales. “Por que isso não pode ser feito na Bolívia?” Ele pediu apoio de prefeitos e governadores para a criação de laboratórios de industrialização da coca.
Em seu discurso de 50 minutos, no início da tarde de ontem, concluído com a expressão “Causachún coca” (“Viva a coca”, em quétchua), Morales não usou uma única vez a palavra “erradicação”, o núcleo das políticas dos governos anteriores. Para quem temia que o líder cocaleiro anunciasse o fim dessa política, pode ser uma boa notícia, embora possa parecer desanimador para quem esperasse que ele garantisse a sua continuidade. “Ele não pode simplesmente acabar com a erradicação, porque a Bolívia precisa do apoio da comunidade internacional”, disse ao Estado um oficial da Polícia Antinarcóticos.
Numa viagem carregada de simbolismo, o presidente aterrissou às 11h40 (13h40 em Brasília) na Base de Chimoré, a 10 quilômetros de Shinahota, onde várias vezes foi detido e torturado, como líder dos cocaleiros da região. A base abriga a força-tarefa de erradicação dos cultivos de coca, que conta com 800 policiais, 500 soldados do Exército e mais 50 homens da Marinha e 30 da Força Aérea, que dão apoio logístico.
Vestido com uma camisa cinza de manga curta e calça de brim preta, e calçando tênis, Morales passou a tropa em revista, a maior parte do tempo olhando para o chão da pista, enquanto caminhava ao lado do coronel José Luís Rodo Aparicio, comandante da 9ª Divisão do Exército. Ao desembarcar, ele recebeu uma guirlanda com flores e folhas de coca. Em Shinahota, o ornamento foi complementado com um chapéu de palha também coberto com as folhas da planta.