Presidente boliviano volta ao Chapare para discutir possível descriminação dos cultivos
LA PAZ – O presidente Evo Morales discutirá hoje com sindicalistas a descriminação do cultivo de coca na Bolívia. Morales, que tomou posse no domingo, visita hoje, pela primeira vez como presidente, a região produtora de coca do Chapare, no centro-oeste do país, onde começou sua carreira nos anos 80, como líder sindical. O presidente se encontrará com os dirigentes sindicais cocaleiros na cidade de Shinahota, cerca de 500 quilômetros a leste de La Paz, e poderá anunciar a nova política do governo para a coca. Os sindicalistas reivindicarão o cumprimento da promessa de descriminação do cultivo, feita por Morales durante a campanha.
No Vice-Ministério de Desenvolvimento Alternativo, que cuida da área, não se tinha idéia ontem do teor de um eventual anúncio do presidente. “Não sabemos nem quem será o novo vice-ministro da área”, disse ao Estado uma funcionária. O que se sabe é que muitas coisas vão mudar, a começar pelo nome do órgão, que pode ser rebatizado como Vice-Ministério da Coca, denotando a mudança de enfoque, da substituição do cultivo da folha por produtos alternativos, para a promoção oficial da coca, como cultura tradicional indígena.
A simples eleição de Morales, no dia 18 de dezembro, já teve efeitos práticos sobre a política de erradicação. Este mês, foram destruídos apenas 6 hectares de plantação de coca no Chapare, em comparação com 361 em janeiro de 2005. Em todo o ano, foram 6.073 hectares. O trabalho, que já vinha bem mais devagar, foi suspenso na segunda-feira, depois de um confronto entre a força-tarefa de erradicação e cocaleiros, que exigiram que as autoridades o interrompessem, alegando que a política do governo ia mudar.
Pela lei em vigor, datada de 1988, só pode ser cultivada a folha de coca numa área de 12 mil hectares no Vale dos Yungas, no leste do Departamento de La Paz. A folha de coca dessa região é considerada apropriada para mascar, por ser mais doce e fina. A lei prevê que essa permissão dure até que um levantamento – que nunca foi feito – estabeleça a área de cultivo necessária para atender à demanda de toda a população que tem o hábito de mascar folha de coca na Bolívia.
Acordo firmado em 2004 pelo então presidente Carlos Mesa permite também o cultivo de 3.200 hectares no Chapare, onde a coca contém mais alcalóides e por isso é considerada predominantemente como matéria-prima da cocaína. Pelo acordo, cada família teria direito a plantar uma área de 1.600 metros quadrados, chamada de “cato”. Os sindicalistas reivindicam que o acordo seja cumprido integralmente, beneficiando as 23 mil famílias de cocaleiros no Chapare. Imagens de satélite mostram que há cerca de 10 mil hectares de plantações de coca no Chapare, o que significa que 6.800 são ilegais. Embora uma área próxima a essa seja erradicada anualmente, os cocaleiros conseguem repô-la todos os anos.
De acordo com uma fonte do vice-ministério, no entanto, os 12 mil hectares dos Yungas já eram excessivos para o consumo tradicional, com parte da colheita indo para a produção de cocaína. Na Bolívia, em geral, é produzida, de forma caseira, apenas a pasta-base, embora tenham sido encontrados pequenos laboratórios de refino de cocaína em casas em El Alto, a 15 quilômetros de La Paz. Dos mais de 40 insumos químicos usados no refino, cerca de cinco apenas são produzidos na Bolívia. Normalmente, a pasta é transportada para laboratórios em países vizinhos, como a Colômbia, o Peru e o Brasil, onde o sulfato-base é transformado no cloridrato de cocaína.