Em El Alto, cidade-dormitório de La Paz, as contas atreladas ao dólar vêm pesando cada vez mais nos pobres orçamentos da população
LA PAZ – Há cinco meses, Salomé Assazola pagou 8,10 bolivianos (US$ 1) de água. Desde então, sem que o consumo aumentasse, a conta veio subindo ao ritmo de 2 bolivianos por mês, até chegar a 19,70 (US$ 2,40) no mês passado. Salomé foi até a loja da Águas de Illimani, a concessionária privada de saneamento de El Alto, onde vive, a 15 quilômetros de La Paz, e reclamou. A conta baixou para 17,50 bolivianos. “Disseram que devia ser por causa de algum vazamento aqui em casa”, conta Salomé, uma viúva de 65 anos. “Mas aqui não tem vazamento nenhum.”
Como em muitas famílias de El Alto, espécie de cidade-dormitório de operários e vendedores ambulantes que ganham a vida em La Paz, as contas de água, atreladas ao dólar, vêm pesando de forma crescente nos seus orçamentos exíguos. Salomé, por exemplo, mora com três filhos e dois netos, dos quais só um, que trabalha como programador de informática autônomo, tem trazido dinheiro para casa. O rendimento médio de um trabalhador em El Alto e La Paz está na faixa dos 600 bolivianos (US$ 74).
O aumento contínuo das contas, somado à alegação de que a Águas de Illimani não cumpriu as metas contratuais de expansão da rede de água e esgoto, levou a Federação de Associações de Bairro (Fejuve, na sigla em espanhol), que tem seu reduto em El Alto, a exigir o cancelamento da concessão. O presidente Carlos Mesa assinou em janeiro decreto autorizando a Superintendência de Saneamento Básico (Sisab) a rescindir o contrato. O órgão está discutindo com o grupo francês Suez Environment, ao qual pertence a concessionária, as condições da rescisão e da transição.
O processo deixou a Fejuve impaciente. Exigindo a saída “imediata” da empresa, a entidade iniciou há quase duas semanas manifestações diárias contra o governo que incluem o bloqueio das duas únicas estradas que ligam La Paz ao resto do país. A atitude não é unânime em El Alto. “Não estou de acordo com bloqueios e marchas”, diz Salomé. “Conversando, a gente se entende.”
Já Andrea Huanca, 55 anos, dona de um bar, cuja conta de água nos últimos 12 meses triplicou de 12 bolivianos (US$ 1,50) para 37,80 (US$ 4,66), não vê alternativa. “Não recebemos em dólar”, diz ela. “Que podemos fazer? Essa é nossa única arma: sair, protestar.”