Opositores dizem que medida é insuficiente e mantêm exigência de renúncia do presidente
LA PAZ – O presidente da Bolívia, Gonzalo Sánchez de Lozada, anunciou ontem a convocação de um referendo sobre a exportação de gás, na tentativa de salvar o seu governo, em meio a virulentos protestos e confrontos com as forças de segurança, que deixaram mais de 70 mortos em seis semanas. Os líderes da oposição, no entanto, rejeitaram a oferta e insistiram na renúncia do presidente. O referendo está previsto num manifesto divulgado ontem à noite pelo presidente, junto com os outros dois participantes da coalizão de governo: os líderes da Nova Força Republicana (NFR), Manfred Reyes Villa, e do Movimento de Esquerda Revolucionário, o ex-presidente Jaime Paz Zamora.
O manifesto, anunciado às 21h30 em La Paz (22h30 em Brasília), depois de nove horas de reuniões com Reyes e Paz Zamora na residência presidencial, onde Sánchez de Lozada está confinado desde o fim de semana, inclui também as seguintes medidas: “rever a Lei de Combustíveis em processo concertado com as empresas do setor, para aumentar os ingressos do país” e “incorporar a Assembléia Constituinte à Constituição do país”.
“Nunca esteve tão em perigo a democracia e a unidade da Bolívia”, advertiu Sánchez de Lozada. O manifesto “reafirma a decisão de preservar a democracia e a ordem constitucional vigente, resultados do sacrifício e luta do povo boliviano” e adianta que “se os protestos persistirem, será evidente que respondem a interesses políticos destinados a terminar com o regime constitucional e com a unidade da nação”. Com o anúncio, fica preservada a coalizão de governo, de detém mais de dois terços dos votos no Congresso.
Entretanto, os dirigentes do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales, e do Movimento Indígena Pachakuti, Felipe Quispe, reagiram imediatamente, dizendo que a oferta do governo “não é suficiente”, e reiterando a exigência de que o presidente renuncie.
O anúncio da decisão de exportar gás natural para a Califórnia usando o porto chileno de Iquique gerou a onda de protestos iniciada na sexta-feira, causando a morte de cerca de 70 pessoas. O Chile derrotou a Bolívia numa guerra em 1883, fechando o acesso do país ao mar, e gerando ressentimentos nos bolivianos que até hoje são explorados por líderes nacionalistas como Evo Morales, o dirigente do MAS.
A revisão da Lei de Combustíveis pode afetar o contrato de importação do gás natural boliviano por parte da Petrobrás. A garantia de que será “concertada” com as empresas parece destinada a tranqüilizá-las.
O chanceler Carlos Saavedra havia desmentido, pela manhã, a informação de que a Petrobrás e a espanhola Repsol estejam se retirando do país por causa da crise. Segundo ele, a Petrobrás aumentou esta semana a compra de gás boliviano de 12 para 18 milhões de metros cúbicos diários, aproximando-se da meta estabelecida em contrato. “Isso significa mais impostos, mais recursos para o país”, festejou Saavedra.
Não é o que pensa a oposição. Evo Morales quase venceu a eleição presidencial do ano passado sobre uma plataforma que defendia o fim das exportações de gás natural e petróleo em estado cru, para que esses combustíveis fossem industrializados na Bolívia antes de serem vendidos.
Do ponto de vista do que acontece nas ruas, essa discussão foi para segundo plano, no entanto. Os manifestantes exigem a cabeça do presidente por causa das mortes nos confrontos com as forças de segurança.
Em meio ao acirramento, o governo fechou ontem o cerco sobre a imprensa. Agentes do Ministério do Interior percorreram as bancas comprando todos os exemplares do semanário Pulso, que estampava na capa a seguinte manchete: “Em nome da democracia, o presidente deve renunciar.”
Os agentes também levaram a edição de ontem da versão diária do Pulso, que trazia a versão de que Sánchez de Lozada conta com menos de 10% do apoio popular.
O Canal A disse ter recebido telefonemas de pessoas próximas ao presidente recomendando que a emissora de TV cortasse seu noticiário: “Ponham música.” Já a emissora RTP informou que suas linhas telefônicas foram cortadas. E o Canal 4 recebeu ameaças de atentado à bomba contra seu prédio. Várias emissoras regionais de rádio tiveram o sinal cortado. O governo negou que haja censura.