LA PAZ – Depois da sangrenta segunda-feira na qual 27 pessoas morreram – segundo fontes hospitalares – nos choques entre forças de segurança e manifestantes que exigem a deposição do presidente boliviano, Gonzalo Sánchez de Lozada, La Paz amanheceu ontem com dezenas de tanques nas principais avenidas, numa tentativa de conter a onda de violência. Embora nem o presidente e muito menos seus opositores tenham dado sinais de que poderiam ceder em suas posições, o gabinete de ministros se reuniu ontem na busca de uma proposta de solução política para a crise – aberta com a decisão do governo de levar adiante um programa de exportação de gás natural para EUA e México por intermédio do Chile, país pelo qual os bolivianos têm um histórico ressentimento pela perda de sua saída para o mar, no século 19.
Para a oposição, o programa é lesivo à economia boliviana, que ficaria só com 18% das receitas de exportação. Sánchez de Lozada, depois de reiterar que não renunciaria ao cargo para o qual foi eleito em 2002, recuou da decisão de dar início imediato ao polêmico projeto de exportação. Antes, segundo ele, o programa seria submetido a mais debates na sociedade boliviana.
Segundo números citados pelo jornal boliviano La Razón, o número de mortos em todo país em quatro semanas de conflitos era 63. O governo reconhece oficialmente apenas cinco mortes.
As greves e os bloqueios de estrada promovidos pelos grupos de oposição paralisaram e isolaram La Paz, principal cidade e capital administrativa do país. Alimentos, combustíveis e outros produtos essenciais começam a faltar. Lojas, bancos e escritórios estão fechados e o transporte, parado. O aeroporto internacional, localizado no distrito de El Alto – a 12 quilômetros de La Paz e cenário dos mais violentos choques na segunda-feira – permanecia fechado.
Na Praça São Francisco, na entrada pela estrada que vem de El Alto, os sinais do conflito da véspera ainda eram visíveis ontem, com pedras e pedaços de pau espalhados.
Em meio ao bate-boca com a oposição, Sánchez de Lozada perdeu o apoio de seu vice, Carlos Mesa, e enfrentou a renúncia do ministro de Desenvolvimento Econômico, Jorge Torres, e dos três membros da Nova Força Republicana (NFR), um dos partidos que davam sustentação ao governo, que obedeceram à ordem de líderes partidários para abandonar suas pastas.
A NFR, no entanto, condicionou a permanência na coalizão governista à adoção de medidas urgentes para pacificar o país. Ontem, o principal líder do partido, Manfred Reyes Villa, que retornara às pressas dos EUA, se reuniu com Sánchez de Lozada.
Após o encontro, Reyes admitiu que seu partido considerava a possibilidade de renúncia do presidente, como reivindicam organizações sociais e sindicais. “Temos de ponderar se a manutenção da democracia passa ou não pela renúncia”, declarou. O líder político acrescentou que propôs a Sánchez de Lozada a convocação de um referendo para decidir sobre a exportação de gás.
Em seu pronunciamento pela TV segunda-feira, no qual denunciou uma “conspiração subversiva para instaurar uma ditadura sindicalista no país”, Sánchez de Lozada apareceu ao lado dos comandantes militares, assegurando que tinha o irrestrito apoio deles. Ontem, contudo, o comandante das Forças Armadas, general Roberto Claros, fez uma intrigante declaração à TV boliviana: “Não apoio o presidente como pessoas, mas sim sua investidura.”
As barricadas bloqueavam ontem estradas em várias cidades, nos quatro cantos do país. Na região do Chapare, centro da Bolívia, três soldados ficaram feridos na explosão de uma bomba de fabricação caseira quando tentavam desbloquear uma estrada.
Em Santiago, o ministro do Interior chileno, José Miguel Insulza, disse esperar que a Bolívia resolva seus problemas e saia da crise com a democracia fortalecida. Insulza confirmou que o Chile tomou “precauções” na região da fronteira. “São apenas precauções. Não temos nenhuma situação fronteiriça que nos preocupe”, disse.
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