Iniciativa privada fez em dois anos e meio o que o Sistema Telebrás fez em sua existência
O progresso é inegável. Quando as operadoras privadas entraram em cena, havia 19 milhões de linhas telefônicas no Brasil. Dois anos e meio depois, esse número passou para 38 milhões. O que o Sistema Telebrás conseguiu em 30 anos, a iniciativa privada fez em 30 meses. No caso dos celulares, o aumento é mais espantoso: de 800 mil para 25 milhões.
O salto quantitativo veio acompanhado não de um relaxamento nas regras, que deixasse as empresas mais à vontade para fazerem o que bem entendessem, mas de um sistema de regulação inédito no País. Exemplo: o colapso nas discagens de longa distância, quando foi introduzida a escolha da operadora para completar as ligações, em julho de 1999, resultou em multa de R$ 50 milhões para a Embratel. A empresa recorreu e o caso está na Justiça. Mas o rigor não tem precedentes no antigo ambiente fraternal das estatais.
Os planos de expansão das telefônicas estaduais eram autênticos precursores do sistema pré-pago, ironiza o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), José Augusto Marques. Com a diferença de que não se sabia se e quando o serviço seria prestado. A alternativa era pagar um ou mais milhares de dólares no próspero mercado de linhas telefônicas. Acumular dezenas de linhas conseguidas persistentemente nos planos de expansão, e alugá-las, era fonte parasitária de renda. No passado recente, mas agradavelmente esquecido, o telefone como regalia e meio de especulação era o símbolo máximo do atraso do País.
Nos grandes números – e no efeito visível que eles têm sobre a vida dos brasileiros –, a privatização e o sistema regulatório que a acompanha são um sucesso. É no seu desempenho na atração de operadoras e sobretudo de tecnologia que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sofre críticas de especialistas.
Geraldo Marques, vice-presidente da Ernst & Young – que presta consultoria para companhias dedicadas a antecipar o cumprimento das metas estabelecidas pela Anatel para 2002, para poderem expandir suas áreas de atuação e, no caso das operadoras de telefonia fixa, entrar no mercado de celulares –, acha que a agência não está realizando a contento sua missão de incentivar empresas a trazerem tecnologia de rede e de gestão, reduzindo, assim, o abismo tecnológico que ainda separa o Brasil dos países desenvolvidos. Enquanto esses países se preparam para ingressar na terceira geração, o Brasil abre lentamente as portas da segunda.
A primeira geração de telefonia celular, a analógica, restrita à transmissão de voz, surgiu no mundo na primeira metade da década de 80; no Brasil, dez anos depois. A segunda geração, caracterizada pela transmissão de dados, surgiu entre 1996 e 1998 nos principais mercados do mundo, mas só chegou este ano ao Brasil. A terceira, que transmite imagens, apareceu entre o ano passado e este ano; no Brasil, só deve entrar entre 2004 e 2005.
Na opinião dos especialistas, ao adotar o GSM (sistema global de comunicação móvel), o Brasil condenou-se a passar por um estágio intermediário, a chamada geração 2,5. “Muita gente perguntou: já que estamos tão atrasados, por que não vamos direto para a terceira geração e assim ficamos alinhados com o mundo?”, conta José Dário Dal Piaz Jr., vice-presidente para América Latina do Yankee Group, que também presta assessoria para operadoras e investidores.
O especialista em telecomunicações Ethevaldo Siqueira não se conforma com a adoção da GSM, contra a qual lutou em suas colunas dominicais no Estado. “É uma tecnologia nascida na Europa em 1992”, diz ele. “Essas tecnologias duram dez anos ou um pouco mais. Portanto, está em fim de vida.” A própria Europa já está adotando outra tecnologia, a UMTS (serviço de telecomunicações móvel universal) e, “daqui a dois ou três anos, o Brasil terá de mudar para a terceira geração, se não quiser ficar para trás”.
O GSM, diz Siqueira, pode ter no máximo upgrade para a geração intermediária chamada de 2,5. “E pára por aí.” Já o CDMA (acesso múltipo por divisão de código), instalado no Brasil, pode migrar para a terceira geração. O especialista afirma que, com a adoção do GSM, a Anatel agradou às fabricantes européias – como a finlandesa Nokia, a alemã Siemens e a francesa Alcatel -, mas não atraiu as grandes operadoras – como a Vodafone, a Deutsche Telekom, a Telia e a NTT DoCoMo. “Com o GSM, você falará perfeitamente na Europa, mas não em Pernambuco e Bahia, já que o sistema é incompatível com o CDMA e o TDMA (acesso múltiplo por divisão de tempo) e, no início, não cobrirá todo o território nacional.”
À primeira vista, a diferença entre a segunda e a terceira geração pode parecer fútil ao leigo: com uma se ouve e lê, com a outra se vêem imagens em movimento. Mas essa diferença tem profunda ressonância sobre a economia e o cotidiano. Por exemplo, o fato de um celular poder receber e abrir uma radiografia pode poupar um tempo precioso no trânsito de uma cidade grande.
Ethevaldo Siqueira acredita que os quatro diretores da Anatel que votaram a favor do GSM – só o presidente da agência, Renato Guerreiro, votou contra – o fizeram sob pressão do governo. O Itamaraty, diz o especialista, achava que os americanos já haviam ocupado espaço demais no mercado brasileiro e que era hora de dar espaço para os europeus.
“Não há nenhum fundo de verdade nisso”, indigna-se Guerreiro. “O presidente da República disse: ‘Eu não quero nenhum tipo de envolvimento político nessa questão. Vocês decidem tecnicamente. Eu só quero que vocês me informem dois dias antes qual foi a decisão de vocês antes da divulgação para que eu avise o Itamaraty para que ele fique sabendo, por causa da reação do outro’.”
Segundo Guerreiro, a faixa de freqüência de 1.800 megahertz, do GSM, foi escolhida justamente porque os equipamentos de terceira geração no horizonte usarão a faixa de 1.900. “Com isso, preserva-se a de 1.900 para a terceira geração.” O presidente da Anatel garante que não se teria ganhado nada adotando já a faixa de 1.900. “Se tivéssemos vendido 1.900, estariam também hoje sendo instaladas aqui empresas com produtos de geração absolutamente equivalente, não seria terceira, até porque terceira ainda não existe.”
“A Anatel é lenta em relação às novas tecnologias”, sentencia Dal Piaz Jr. Ethevaldo Siqueira observa que a agência não tem número suficiente de técnicos para trabalhar na regulamentação de coisas novas: “Nem puseram ainda em consulta pública a TV digital, que é uma revolução.” A Europa, diz Siqueira, já fez a licitação de todos os serviços de banda larga sem fio.
Dal Piaz Jr. dá outro exemplo, o da transmissão de voz pela Internet. “Sem conhecer o serviço, a agência o proibiu, para proteger grandes companhias de telefone, sob a justificativa de que precisava de licença, que só as operadoras tinham”, diz o consultor. “O resto do mundo entendeu que, a partir do momento em que se digitalizou, não é mais voz e está liberado.”
A Comissão Federal de Comunicações (FCC), equivalente americana da Anatel, por exemplo, preferiu ver o alcance e desdobramentos da tecnologia nascente a “matá-la”. Hoje, os Estados Unidos têm provedores por bairro de chamadas internacionais com base na voz sobre Internet. “Aqui, roubaria o quê?”, pergunta Dal Piaz: “5% de fatia de mercado?”
“Não houve nenhuma intenção de proteger ninguém”, refuta Renato Guerreiro. “O que acontece é que a regulamentação brasileira, a Lei Geral e o Plano Geral de Outorgas estabelecem que até dezembro de 2002 é duopólio, não pode haver mais de duas empresas atuando em cada localidade. Nós gostaríamos de estar dando licença para quem quisesse prestar o serviço, mas não podemos.”
O presidente da Anatel diz que a discussão não tem a ver com o uso da Internet. “Uma empresa autorizada de telefonia que queira, pode usar Internet”, enfatiza. “E as empresas que queiram usar Internet para fazer telefonia e que hoje não podem porque o regime é de duopólio, em janeiro do ano que vem, podem pedir licença e fazer.” Guerreiro acrescenta: “Não há nenhuma proibição com relação ao uso da Internet, que para nós é uma tecnologia que pode ser usada por qualquer prestador. O que não pode no Brasil é haver uma terceira operadora de telefonia fixa neste momento.”
“O Brasil continuará com um gap tecnológico de pelo menos quatro anos, quando seriam razoáveis dois”, censura Geraldo Marques. “Quando o Brasil privatizou (as telecomunicações), estava 25 anos atrás dos mercados mais maduros”, completa Dal Piaz. “Já tiramos muito atraso, mas tirar esses quatro anos vai ser mais difícil.”
As empresas, adverte Marques, tentam tirar o máximo proveito da tecnologia de que dispõem antes de investir numa nova. “Se não houver agentes indutores, essas empresas passam a ditar o ritmo (da renovação tecnológica), e isso não pode acontecer.” É aí que entra a Anatel.