Agora um jovem adulto de 20 anos, ele continua na Fundação Casa, onde leva uma vida amena e é bem cuidado.
Uma sala de 2 metros por 3, com uma cama, uma penteadeira, uma TV e um rádio abriga um dos segredos mais bem guardados pelo governo de São Paulo. Cinco meses depois de ter cumprido a ‘medida socioeducativa’ de três anos, à qual foi condenado pela participação no assassinato dos jovens Felipe Caffé e Liana Friedenbach, Champinha permanece numa unidade da Fundação Casa, antiga Febem.
Agora um jovem adulto de 20 anos, completados no dia 9 de dezembro, Champinha vive numa espécie de limbo jurídico-institucional (ver O ‘jeitinho’ da Justiça para manter internação). No seu último encontro com uma diretora da fundação, cobrou: ‘Tenho três anos, quatro meses e 22 dias. Já passei do tempo. Não posso continuar aqui.’ Sua ansiedade de sair é calibrada por um pavor de ser morto que se aproxima da paranóia. ‘A cadeia não é eterna. Meu futuro é a morte’, é uma de suas frases recorrentes.
‘Se abríssemos a porta e disséssemos para ele ir embora, ele não iria’, aposta uma funcionária. Recentemente, ele foi fazer exame de ressonância magnética, em mais um dos inúmeros testes a que foi submetido na tentativa de esquadrinhar sua mente. O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas parou para ele entrar em segurança. Quando lhe foram aplicar uma injeção, para dar contraste à imagem, recuou: ‘Então, não faço. Por que vocês querem me fazer dormir?’
Ao longo de sua estada na Febem, em que ele passou por seis unidades distintas – das quais precisou sair toda vez que foi descoberto pelos outros internos -, Champinha viu vários indícios de que teria de se cuidar. Durante as rebeliões de fevereiro de 2005 na unidade do Tatuapé, os adolescentes tentaram duas vezes forçar o portão de ferro que dava para a área administrativa onde o famoso colega se escondia. Champinha só dormia de dia, quando chegava um funcionário em quem confiava. Funcionários pediram ao Estado que não revelasse em que unidade ele se encontra agora, para evitar que ‘a casa vire’, como dizem os internos.
Em maio daquele ano, durante outra rebelião, um policial militar do choque entrou na área da lavanderia onde Champinha estava e tirou quatro ou cinco fotos dele. O rapaz entrou em pânico, porque sabia que Felipe Caffé tinha um irmão na PM. ‘Nunca ouvi falar disso’, disse ao Estado o irmão de Felipe, um soldado de 28 anos. ‘Não ouvi falar mais dele. Não sei nem onde ele está.’
Nem tudo tem sido sobressaltos na estada de Champinha na fundação. Ao contrário. Ele segue uma rotina pacata na área da administração da unidade, pela qual circula livremente, incluindo um pátio interno. E se declara muito bem tratado. Professores de uma escola estadual conveniada com a fundação lhe dão quatro horas e meia por dia de aulas particulares, no nível da 5ª série, com acompanhamento individual de pedagoga. Apesar da pronunciada dificuldade de aprender (sua inteligência é considerada limítrofe), ele se alfabetizou na fundação.
Parece improvável que um jovem tenha sido cercado de mais cuidados numa instituição pública brasileira. Seu histórico na fundação forma uma pilha de pastas, com relatórios diários de tudo que lhe diz respeito. Champinha recebe assistência jurídica, social, médica, odontológica e psicológica.
Desde dezembro, por ordem do juiz Trazíbulo José Ferreira da Silva, tem o acompanhamento de dois psicólogos e dois psiquiatras do Instituto de Psiquiatria do HC. Inicialmente, eram duas sessões de uma hora cada por semana. Hoje, é uma por semana. De família pobre, ele conta também com um defensor público frente ao Departamento de Execuções da Infância e da Juventude (Deij) e outro perante o Foro Distrital de Embu-Guaçu.
Em abril do ano passado, por determinação do juiz, Champinha estava sendo atendido numa faculdade particular, conveniada com a fundação, por dentistas que lhe colocaram um aparelho para corrigir seus dentes de cima. Quando descobriram quem era o paciente, os dentistas arrancaram o aparelho e se recusaram a prosseguir no tratamento. Champinha continua com os dentes para fora. Despido de vaidade, isso não parece importuná-lo.
Funcionários que lidam com Champinha dizem que ele ‘só fala o necessário’, é respeitoso, obediente e, em alguns casos, afetuoso. Ajuda na limpeza e nos trabalhos da lavanderia. Teve aulas de várias técnicas de artesanato. Habilidoso com as mãos, confecciona enfeites com papel, palha e madeira. Pinta quadros de flores com cores brilhantes.
Champinha presenteia esses trabalhos aos funcionários e aos parentes que o visitam quase todo fim de semana: a mãe, dois irmãos e uma irmã mais velhos. Tem também uma irmã de 6 anos. O pai, alcoólatra, que trabalhava de caseiro, e que lhe pôs o apelido (que quer dizer ‘tampinha’), morreu em agosto de 2004, depois de um derrame que o deixara imóvel.
Champinha diz que seu sonho é ser ‘peão de fazenda’.