Partido amplia seu espectro político sem perder o apoio de seus tradicionais militantes
Luiz Inácio Lula da Silva faz a aposta de sua vida nessas eleições. A aliança com o Partido Liberal e a moderação no discurso abriram novos horizontes eleitorais e políticos para o Partido dos Trabalhadores. Mas a operação foi sumamente arriscada. Além de não ganhar nada, o PT poderia perder parte do que tinha, com a desilusão dos setores que compõem sua base: os sindicatos e os chamados movimentos sociais, entre eles os sem-terra e a esquerda da Igreja Católica.
Ainda que contrariados, os sócios fundadores não abandonaram o clube. Ou pelo menos ainda não. Trabalham com o afinco exemplar que os caracterizou em todas as eleições nessas duas décadas de existência do PT. Sofrem com a aliança exótica – “espúria”, segundo o jargão -, mas concedem o benefício da dúvida. Todos esses setores têm, porém, um recado para Lula: não há trégua, lua de mel, cheque em branco. Se se sentirem traídos, reagirão.
“O PT obteve uma ampliação eleitoral em direção aos setores de classe média e populares, de menor escolaridade e mais pobres”, constata o sociólogo Adalberto Cardoso, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). “Penetrou num eleitorado conservador, populista-autoritário, que costumava ser muito preconceituoso em relação ao Lula e ao PT.” São o público-alvo de Paulo Maluf, Anthony Garotinho e Fernando Collor, ilustra o pesquisador.
“O PT inclui novos setores, ao mesmo tempo em que mantém suas bases tradicionais: é um ganho efetivo”, conclui Adalberto. Isso só foi possível porque sindicatos e movimentos sociais também sofreram mudanças. Num certo sentido, a metamorfose do PT reflete transformações estruturais e ideológicas no País.
“Ao longo dos últimos anos, os setores mais radicais foram relativamente isolados na formulação das políticas sindicais”, observa Adalberto. “A Central Única dos Trabalhadores (CUT), assim como o PT, abandonou a fatia mais à esquerda, que é pequena do ponto de vista eleitoral, e caminhou para o centro.”
O presidente da CUT, João Antonio Felício, concorda que central sindical e partido mudaram juntos. “O PT soube estabelecer um diálogo com pequenos e médios empresários, dos quais hoje há uma parcela significativa apoiando o Lula”, diz Felício. “Essa mudança não prejudicou as relações conosco. Até porque nós também aprendemos a mudar as relações com os empresários.”
Ao mesmo tempo, a própria importância política dos sindicatos diminuiu – e, com ela, o risco da manobra petista. “Os sindicatos se enfraqueceram nos últimos anos”, diz o professor Leôncio Martins Rodrigues, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de Destino do Sindicalismo. “Diminuiu o número de trabalhadores sindicalizados. Com isso sua importância diminuiu para o PT.”
“A CUT tem hoje muito menos poder de formar opinião do que nos anos 80”, concorda Adalberto. E isso não só por causa do avanço, nos últimos anos, da Força Sindical, cujo presidente, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, é candidato a vice na chapa de Ciro Gomes. “Há uma crise profunda do sindicalismo industrial e bancário em termos da estrutura de empregos”, explica Adalberto. “Os bancos cortaram 60% dos postos de trabalho e a indústria perdeu 2 milhões de empregos formais em 10 anos.”
João Felício admite que a ampliação do PT reduziu o peso específico dos sindicatos dentro do partido. “O PT não poderia continuar com o mesmo discurso da época de sua fundação porque hoje a influência do setor sindical no partido é menor do que 20 anos atrás”, diz ele. “Hoje o PT é muito mais amplo. Incorporou outros setores da sociedade, foi estabelecendo novas alianças. Claro que quando chegam novos setores, diminui o espaço dos outros.”
Com as transformações econômicas estruturais no setor privado, a importância relativa dos funcionários públicos tem crescido dentro do movimento sindical, observa Leôncio. “Não é à toa que Felício (ex-presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, Apeoesp) é o presidente da CUT.”
A mudança de eixo do privado para o público tem conseqüências políticas. “Os servidores públicos estão mais à esquerda e seus sindicatos não são como os do setor privado”, analisa Leôncio. “Quando esses sindicatos se mobilizam, pressionam o governo, que é o seu patrão. E poderão criar uma situação difícil para um eventual governo do PT.”
Filiada à CUT, a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condisef), que representa 500 mil funcionários da administração direta, apóia oficialmente a candidatura de Lula. Assim como a maioria dos 35 sindicatos da categoria nos 27 Estados. É um apoio condicional, no entanto.
“Nosso movimento vai agir da mesma forma com qualquer governo”, diz Pedro Armengol, diretor-executivo da Condisef. “Se um eventual governo do Lula pisar na bola, vamos reagir da mesma forma como reagimos com o governo FHC.”
Igreja – Depois de um boom, nos anos 70 e 80, do pensamento de esquerda na Igreja Católica, embalado na glamourosa “teologia da libertação”, as preocupações sociais perderam terreno para as espirituais. O incômodo com os novos companheiros do PT tem um forte agravante justamente na esfera religiosa, no entanto: entre eles há muitos integrantes de seitas não-católicas, como a Igreja Universal do Reino de Deus. O deputado Bispo Rodrigues, do PL do Rio, coordenador político dessa Igreja, foi quem costurou a aliança de seu partido com o PT.
A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil não faz declarações públicas sobre política partidária. “Na direção da CNBB não existe nada (com relação ao PT), só nas bases”, diz seu assessor político, Padre José Ernane Vieira.
Nessas bases, fervilham as expectativas quanto a um eventual governo petista, e as incertezas quanto a seu desempenho. “Quando se pensa a mudança simplesmente a partir da elite, do centro, se distancia das aspirações populares”, observa o Padre Virgílio Leite Uchoa, membro da secretaria-executiva da Comissão de Justiça e Paz.Uma eventual “traição das perspectivas populares” é potencialmente perigosa, adverte o Padre Virgílio, ex-assessor político da CNBB. “Com uma pauta muito distante das aspirações populares, vai ser difícil governar.”
“Temos restrições a essa aliança e ao projeto político do PL, mas em momento algum o PT abdicou de seus princípios”, pondera Armengol, da Condisef. “Vemos essa aliança como questão de tática eleitoral.”
Sem-terra – Valmir Batista, militante do MST, percorre escolas do Pontal do Paranapanema fazendo trabalho de “conscientização” em favor do PT. “Eu digo aos estudantes que Lula está do nosso lado, que o PT é que ajuda a gente”, conta Valmir, enquanto caminha pelo acampamento Margarida Alves, em Sandovalina, 630 quilômetros a oeste de São Paulo.
“O pessoal aqui vai votar no PT de cabo a rabo”, garante Felinto Procópio. A adesão também não é incondicional. “Se Lula se eleger e não cumprir a promessa de assentar as famílias, vamos derrubar todas as cercas do Pontal”, avisa Célio Bernardino, de 18 anos, no acampamento Oziel Alves, em Presidente Bernardes.