Chanceler prevê que discussões sobre a Rodada Doha e negociações com americanos e europeus terminem em um ano e meio
BRASÍLIA – Os acordos para as três frentes de negociações comerciais em que o Brasil está engajado simultaneamente – a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e Mercosul-União Européia (UE) – devem sair no prazo de um ano e meio. A estimativa foi feita pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em entrevista ao Estado.
“Essas três negociações inevitavelmente têm influência recíproca”, disse o chanceler. “A principal é a da OMC, porque é a que pode eliminar as maiores distorções ao comércio. As outras duas vão ter que correr em paralelo.” Até porque, ressaltou Amorim, “seria meio arriscado comprometer certos interesses sem saber direito o que vai sair na OMC”.
Como exemplo desse risco, ele citou a quebra da patente de remédios obtida pelo governo anterior na OMC. “Se já tivesse fechado acordo da Alca, como os americanos queriam, ‘babau’, não teria essa política”, lembrou. “Eles não querem tornar mais flexível a patente para ter políticas sociais, como conseguimos na OMC. Só conseguimos porque é OMC, porque tem equilíbrio de forças. Na Alca, não conseguiríamos, porque outros países já deram o que os EUA queriam nesse campo.”
Com relação à OMC, Amorim disse que a “estratégia política é não permitir que se volte ao esquema de antes de Cancún”, a reunião ministerial de setembro de 2003. “Aquela coisa com pouca transparência em que os presidentes dos conselhos iam fazendo textos, sempre ouvindo mais as opiniões dos mais poderosos. As soluções têm que vir da negociação, não de cima para baixo. ”
O chanceler diz que interessa ao Brasil manter a participação de grupos como a do G-20 na área agrícola. “Os EUA são um bloco, União Européia é outro bloco, o G-20 é um bloco para negociação”, explicou ele. “Se ele vai ser exatamente igual para outros temas, não sei, mas você tem que ter uma coisa desse tipo.”
Segundo Amorim, os europeus chegaram a pedir a formação de blocos como o G-20 em outras áreas, para facilitar as negociações, já que, na OMC, as decisões são tomadas por consenso e, se um país se coloca contra, o acordo cai por terra. Entretanto, Amorim diz que prefere “preservar o G-20”, restringindo-o à área agrícola, com receio de que haja posições diferentes entre seus membros sobre temas industriais, por exemplo.
O chanceler enfatizou que o Brasil não tem propostas apenas na área agrícola – o motivo principal da rodada –, em que defende a redução de subsídios e abertura de mercados. “Também na área industrial, o Brasil tem várias propostas que dizem respeito a algumas regras da Rodada Uruguai que achamos um pouco injustas, que podem ser modificadas”, afirmou ele, citando as regras do crédito para exportação, que “foram feitas para países desenvolvidos”. O País quer também garantir “liberdade para política de investimentos estrangeiros que contribuem para exportação”.
Amorim telefonou ontem para o comissário da UE para Comércio Exterior, Peter Mandelson, para discutir a retomada das negociações entre o bloco e o Mercosul, depois do fracasso da reunião de Lisboa, em que os negociadores não conseguiram chegar a um acordo dentro do prazo estipulado, de 31 de outubro.
“As negociações com a União Européia vão ser retomadas” disse. “A expectativa da reunião de Lisboa não era concluir um acordo. Não era realista. Claro que não se pode dizer de antemão que não se vai concluir. O que fizemos foi deixar o terreno arrumado para continuar.” Os coordenadores das negociações dos dois lados – o brasileiro Régis Arslanian e o austríaco Karl Falkenberg – reúnem-se hoje no Rio para “mapear o terreno”.
O Estado perguntou a Amorim se os conflitos comerciais com a Argentina não convertem o Mercosul num estorvo para o Brasil, enfraquecendo sua posição com a União Européia. “Nós podemos ou apostar em ficar brigando pelo velho – e isso eu digo também para os argentinos – ou apostar em construir o novo”, respondeu ele. “Estamos apostando em construir o novo.”
O chanceler demonstrou depositar grande esperança nos resultados dos encontros empresariais realizados em São Paulo e em Buenos Aires. “Foi um diálogo que eu nunca vi”, disse ele. “Em vez de falarem em proteger ou eliminar a proteção de tal setor, a conversa era muito mais sobre como fazer joint ventures, como encontrar instrumentos de financiamento que facilitem investimentos no outro país.”