Ministro, militares e cientistas comemoraram a data na estação, importante para pesquisa do clima
ESTAÇÃO COMANDANTE FERRAZ – O capitão-de-mar-e-guerra Antônio da Costa Guilherme, chefe da Estação Comandante Ferraz, lê a ordem do dia. “O Brasil é um país antártico?”, pergunta, lembrando um velho dilema geopolítico, que soa curiosamente atual, depois de 20 anos de presença brasileira na Antártida. Na sexta-feira, dia da celebração do aniversário, até o sol parecia ter uma resposta: depois de uma semana nevando, a temperatura se elevou a “tórridos” 5°C, com 0°C de sensação térmica. De longe o dia mais quente do verão.
O ministro da Defesa, José Viegas Filho, e os comandantes das três Forças Armadas vieram se juntar ao grupo de 12 pesquisadores e 10 marinheiros para celebrar o 20.° aniversário da base. Cantaram o Hino Nacional, ouviram a ordem do dia e depois entraram na sala principal da estação, para uma confraternização regada a vinho, cerveja e refrigerante.
Viegas falou da sua “excitação e deslumbramento diante da paisagem antártica” e o comandante da Marinha, almirante Roberto de Guimarães Carvalho, saudou os militares e cientistas com um “Bravo zulu”, que é como os marinheiros dão os parabéns aos colegas quando executam uma manobra tática com êxito. O comandante Ferraz, que dá nome à base, foi colega do almirante no Colégio Naval, na turma de 56.
Viegas e os convidados, entre eles o vice-líder do governo na Câmara, Sigmaringa Seixas (PT-DF), embarcaram na quinta-feira de Brasília para Punta Arenas, na Patagonia chilena, no Boeing 707 presidencial, o Sucatão. A viagem dura seis horas. Na sexta de manhã, foram num Hercules da Força Aérea Brasileira de Punta Arenas até a estação chilena Eduardo Frei, já na Antártida, um percurso de 2 horas e meia. De lá, em dois helicópteros da Marinha do Brasil e um do Chile, a comitiva fez o vôo de meia hora até a estação.
É comum esse tipo de caronas e favores entre os países que mantêm as 36 estações permanentes na Antártida, área declarada livre de disputas territoriais, armamentos e poluentes por um tratado de 1961. Um empresta o aeródromo para o outro, que, em troca, leva equipamentos ou passageiros para ele, e assim por diante.
A estação brasileira, composta de 64 contêineres de aço, tem capacidade para acomodar 46 pessoas – das quais dez são pessoal de suporte da Marinha, em missões que duram um ano. Cerca de 130 cientistas se revesam durante o ano na estação, realizando pesquisas em áreas como biologia, oceanografia, geofísica, astronomia e meteorologia. Na véspera do aniversário, 24 voltaram para suas cidades, onde continuam as pesquisas, em laboratórios das universidades. Alguns vêm de avião e helicóptero, nas sete missões anuais da FAB. Outros, no Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel, que costuma partir todos os anos do Rio no fim de outubro ou início de novembro, levando duas semanas para chegar à Ilha Rei George, onde fica a estação, e volta em fevereiro ou março, quando termina o verão.
Uma das linhas de pesquisa mais importantes é sobre como a Antártida influi sobre o clima do Brasil. “A Antártida é o principal controlador do clima do Hemisfério Sul, é tão importante quanto a Amazônia”, diz Jefferson Simões, coordenador de pesquisa. A influência das massas de ar frio que saem da Antártida não é representada de maneira adequada no modelo meteorológico brasileiro, o que prejudica a capacidade de previsão do tempo. Ao contrário do que se costuma dizer, as frentes frias que chegam ao Brasil não são massa de ar “polar”, mas se formam na periferia da Antártida, geralmente no Mar de Armundsen, diz Simões.
Outra coisa que os cientistas estão investigando é o impacto do aumento da radiação ultravioleta sobre os microrganismos que vivem no oceano e fazem parte da cadeia alimentar, influindo na quantidade de pesca na costa brasileira. Essa radiação tem aumentado por causa do buraco na camada de ozônio sobre os pólos Sul e Norte.
Os pesquisadores já sabem que os efeitos do aquecimento da Terra são mais drásticos na Antártida – cuja temperatura média subiu 3 graus nos últimos 50 anos, enquanto no planeta todo o aumento foi de 0,6 grau em 100 anos. A 300 quilômetros da estação brasileira, no Mar de Larseng, uma plataforma de gelo de 15 mil quilômetros quadrados, com até 250 metros de espessura, se desfez.
Por ser uma plataforma flutuante, essa desintegração não afetou o nível do mar. Mas há geleiras que se desprendem do continente e que afetam esse nível. Os pesquisadores querem verificar o grau de influência das mudanças climáticas sobre o movimento dessas geleiras. “As mudanças têm sido muito abruptas nos últimos 10 a 15 anos”, diz Simões. E elas afetam diretamente o Brasil.