Ministro da Fazenda figura no currículo de seu ex-secretário, com quem teria rompido
RIBEIRÃO PRETO – Depois de haver supostamente rompido os laços com o ex-prefeito de Ribeirão Preto e atual ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, há uma década, o consultor Rogério Tadeu Buratti continua usando o nome de seu influente companheiro de partido para angariar contratos nas prefeituras paulistas. Em cadastros da Assessorarte Serviços Especializados como fornecedora de várias prefeituras, obtidos pelo Estado, Buratti figura como “coordenador dos trabalhos” e apresenta Palocci como “referência pessoal”.
Buratti foi secretário de Governo e homem forte de Palocci em seu primeiro mandato, entre janeiro de 1993 e outubro de 1994, quando vazou uma conversa gravada na qual ele negociava, em nome do prefeito, contratos de obras com um empreiteiro. O escândalo levou à saída de Buratti da prefeitura e ao rompimento, segundo ele e Palocci, das relações pessoais e profissionais entre ambos.
Os cadastros da Assessorarte a que o Estado teve acesso foram protocolados em diversas prefeituras entre 2000 e 2002, período em que Palocci exercia seu segundo mandato em Ribeirão. Mas o consultor, em nota de sua assessoria de imprensa enviada ao Estado, dá a entender que Palocci continua servindo de referência em seu currículo: “Rogério Buratti trabalhou com Palocci durante dois anos – entre 1992 e 1994. Como é de praxe na área de consultoria, sempre citou o ex-prefeito como referência, isto muito antes de ele vir a se tornar ministro. Isto não implica a existência de relacionamento pessoal.”
A inclusão de Palocci como “referência pessoal” no currículo significa que, se alguém estiver considerando contratar Buratti e desejar mais informações sobre ele, deve telefonar para o hoje ministro da Fazenda, cujo telefone é incluído no currículo. Isso, depois de Buratti ter deixado a prefeitura de Ribeirão por ter usado o nome de Palocci ao negociar contratos públicos com empreiteiros. Na época, Buratti não foi julgado porque a prova – uma fita furtada do gabinete dele – foi considerada ilícita. Ele foi inocentado por uma comissão de ética do PT, que nem sequer investigou Palocci.
A assessoria de imprensa de Palocci foi informada do conteúdo desta reportagem, mas o ministro não se pronunciou.
De volta – Buratti voltou ao noticiário no mês passado, com o depoimento de executivos da multinacional americana Gtech à Polícia Federal. Segundo eles, há um ano, o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz teria condicionado a renovação de contrato de R$ 650 milhões com a Caixa Econômica Federal à contratação de Buratti, por R$ 6 milhões. A propina não foi paga, segundo os executivos, e o contrato foi renovado assim mesmo. Buratti confirma a reunião, mas nega que tenha negociado propina.
Buratti abriu a Assessorarte poucos dias depois de sair da prefeitura, em 1.º de novembro de 1994, em sociedade com Luiz Antonio Prado Garcia, presidente do Instituto de Previdência dos Municipiários (IPM) na primeira gestão de Palocci (1993-97) e da Comissão de Licitações, na segunda (2001-02). Em março de 1999, Buratti se tornou diretor de Planejamento da Leão Leão, empresa com contratos de coleta de lixo e de obras com a prefeitura de Ribeirão e outras da região. No mês passado, afastou-se do grupo, “para melhor responder às denúncias de que tem sido vítima”.
Ele transferiu sua parte na Assessorarte à irmã, Rosângela. Os cadastros da Assessorarte nas prefeituras mostram, no entanto, que Buratti continuou desempenhando papel ativo na empresa. “Rogério Buratti desligou-se da empresa em 2001, mas nunca houve qualquer impedimento para que ele participasse dos quadros de consultores da empresa”, afirma a nota.
Antes de Palocci se tornar um dos principais ministros do governo Lula, já era um homem influente no interior do Estado, sobretudo entre prefeitos petistas. Além de ter sido prefeito duas vezes de Ribeirão Preto, uma das maiores e mais ricas cidades do Estado, também foi presidente estadual do PT entre 1997 e 1999. Finalmente, em 2002, coordenou a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência.
Buratti, por sua vez, não foi um quadro desimportante no PT, que ajudou a fundar em Osasco, em 1981. Como informa seu currículo, ele atuou na “coordenação de mobilização do interior do Estado de São Paulo da campanha Lula/Presidente”, em 1989. No ano seguinte, fez o mesmo na campanha de Eduardo Suplicy ao Senado. Também fez a “coordenação da estratégia eleitoral e marketing” da campanha de Palocci em 1992, em Ribeirão.
Antes disso, Buratti havia atuado na Assembléia Legislativa de São Paulo, na “direção do grupo técnico de assessoria legislativa da bancada do PT”, em 1991, e na “assessoria jurídica e orçamentária nas atividades legislativas dos deputados do PT”, entre 1991 e 1992. Nesse período, trabalhou com o então deputado José Dirceu, hoje ministro-chefe da Casa Civil. Em 1995, foi assessor da Câmara dos Deputados, em Brasília, informa ainda seu vasto currículo.
Sucesso – Nesses quase dez anos, a Assessorarte tem prosperado. Somente entre 1999 e 2003, ela realizou 162 concursos públicos para prefeituras e órgãos municipais, segundo o seu site na internet. Entre suas clientes, estão as administrações petistas atuais ou passadas de Campinas, Franca, Araraquara, Batatais, São Simão, Rincão, Sales de Oliveira e Matão. Mas ela tem vencido licitações em cidades administradas por outros partidos. Atualmente, a Assessorarte realiza 21 concursos em 13 cidades. Cinco desses contratos são com administrações do PT: dois em Araraquara, dois em Campinas e um em Sales de Oliveira.
Em Americana, a Assessorarte ganhou sete contratos entre 1999 e 2001. Nessa época, o prefeito era Waldemar Tebaldi, do PDT, que deixou o cargo há pouco mais de um ano, por motivo de doença. Recluso, Tebaldi não fala à imprensa. Sua administração tinha o apoio do PT. O secretário de Governo era Antonio Mentor, que acaba de deixar a liderança do PT na Assembléia para se candidatar a prefeito de Americana.
“Tenho uma impressão muito boa de Rogério Buratti, de uma pessoa competente e capacitada, da época em que era da executiva estadual do PT”, diz Mentor. “Mas, depois do que ocorreu em 1994, nunca mais ouvi falar dele”, assegura o deputado, referindo-se ao escândalo em Ribeirão. Mentor garante que não sabia de nada sobre o cadastro e os contratos da Assessorarte. “Isso não passou pelas minhas mãos”, diz ele. “Não fui procurado pelo Rogério. Se tivesse sido, eu o receberia com o maior prazer.”
Compreensão – Buratti tem podido contar com a compreensão dos amigos. Nos portfólios que a Assessorarte envia às prefeituras, ele recorre também à recomendação de um outro ex-chefe – Adauto Scardoelli (PT), ex-prefeito de Matão. “Trata-se de uma empresa idônea e séria, com profissionais competentes e de alto gabarito”, atesta Scardoelli. Em seu currículo, Buratti destaca seu papel na “reforma administrativa” da prefeitura de Matão, da qual foi assessor especial entre janeiro de 1997 e março de 1998, na gestão de Scardoelli.
Nesse período, todos os funcionários da prefeitura foram incluídos no plano de aposentadoria do Instituto de Previdência de Matão (Iprema), incluindo os celetistas, como se fossem estatutários. Entre setembro de 1997 e 2000, a prefeitura não recolheu as contribuições dos funcionários nem ao INSS nem ao Iprema. Além disso, parou de pagar o FGTS. A operação resultou num rombo de R$ 16 milhões – 40% do orçamento do município. O saldo devedor de Matão com o INSS, parcelado em 240 meses, é hoje de R$ 19 milhões. A dívida com o FGTS foi parcelada em 40 meses. Scardoelli foi condenado em primeira instância por causa dessa operação.
Buratti garante que “a reforma corrigiu todos os desvios de função existentes, equiparou salários, estabeleceu plano de carreira, extinguiu 30% dos cargos em comissão e mudou, por opção individual de cada servidor, o regime jurídico de celetista para estatutário” e o “rombo se verificou em função de o atual prefeito ter optado por voltar ao regime celetista e portanto passou com esta decisão a dever todo o período em que, legalmente, as contribuições deixaram de ser feitas ao INSS, visto que a municipalidade assumiu o ônus das aposentadorias”.
Colaboraram Brás Henrique, Gustavo Porto e Silvana Guaiume