Caos põe em xeque controle militar

Sistema integrado de radar poupa recursos, mas cria tensão com civis

 

Por trás do caos instalado na aviação pela operação-padrão dos controladores de vôo, há uma questão de fundo: é bom que o comando do setor esteja na mão dos militares? Embora preocupados com a situação, representantes das empresas de aviação não vêem problema nos militares em si. Especialistas em defesa acham que eles devem continuar fazendo o controle. Já os sindicatos dos aeronautas e dos controladores defendem um controle civil.

Essa é a opinião do ministro da Defesa, Waldir Pires. Anteontem, ele foi categórico na defesa de “um transporte civil para a população civil” e da criação de um plano de carreira para controladores, desvinculado da hierarquia militar. “Estou convencido de que é uma boa solução. Aliás, não sou eu, é o mundo.”

A maioria dos países separa defesa de controle, confiando a primeira à Força Aérea e o segundo a uma organização civil. No Brasil, ambos se uniram em 1968, quando começaram os estudos de criação do órgão de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo (Dacta-1), implantado em 1973. A separação exige sistemas paralelos de radares. A integração permite operar um só sistema. A economia é óbvia. A pergunta é se ela vale a pena.

Para Ernandes Pereira da Silva, diretor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Proteção ao Vôo, a situação atual é mais uma prova da inadequação da estrutura militar. Para ilustrar, diz que a Aeronáutica transferiu pelo menos seis operadores do Rio para o centro de controle aéreo de Brasília (Cindacta-1), mas desviou rotas de Brasília para o Rio. “Diminuiu o efetivo e aumentou a responsabilidade. Só é possível isso com militares. Civis jamais aceitariam.”

A convocação de militares da reserva para suprir falta de pessoal é outra imposição inaceitável para Ernandes, controlador aposentado de 56 anos. “A mente de pessoas dessa idade já não responde na velocidade necessária. A Aeronáutica está rasgando a regulamentação internacional que assinou.”

Ernandes acusa oficiais de dar ordens tecnicamente incorretas aos controladores, que podem ser questionadas por civis, mas são seguidas pelos militares. Eles temem punições que incluem cadeia, como ameaçou a Aeronáutica com os 149 militares do Cindacta-1 que não atendessem à convocação emergencial de quinta-feira.

O brigadeiro Álvaro Pinheiro, chefe da área técnica do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), diz que a legislação define o que o controlador tem de fazer. “Ninguém é louco de exigir mais. É uma função de responsabilidade.”

Na opinião de Ernandes, o controle de vôo é, para a Aeronáutica, uma “reserva de mercado”. O governo não realiza concursos desde 1986. Pelas contas do sindicato, há 2.112 militares envolvidos com controle de vôo e 594 civis. Desses, 95 são concursados e 499, contratados em regime de CLT. O Decea tem números diferentes: diz que há mais militares, 2.188 – 2.112 da Força Aérea Brasileira e 76 do Exército e da Marinha -, e menos civis, 571.

O comandante Célio Eugênio de Abreu Júnior, assessor de Segurança do Sindicato Nacional dos Aeronautas, concorda com Ernandes. “A carreira militar é incompatível com as demandas da aviação civil”, diz. “Eles têm tarefas e expedientes de quartel incompatíveis com a escala de um controlador.”

Segundo o brigadeiro Pinheiro, controladores militares têm a mesma jornada dos civis: 144 horas mensais. Mas parte dos civis – dois terços, calcula o sindicato – obteve na Justiça direito a jornadas de 120 horas.

Por fim, há o argumento salarial. Embora recebam gratificação, o salário de um militar não pode fugir muito do de sua patente. “Não adianta ele investir na carreira, porque o salário não vai ultrapassar o do seu posto”, diz o comandante Eugênio.

Um terceiro-sargento especialista, controlador iniciante, tem salário bruto de R$ 2.710. O suboficial, posto máximo, ganha R$ 4.509. Já os civis concursados começam com R$ 1.300 e chegam a R$ 3.100. Seus salários estão amarrados pelos dos militares. “No serviço público federal, chefes não ganham menos de R$ 5 mil”, observa Ernandes. “Não podemos ganhar isso porque nossos chefes são militares.” Pinheiro concorda. “Se os controladores fossem todos civis, ganhariam mais. Teriam direito de greve, fariam pressão.”

E custariam mais. “O modelo não está errado”, diz Anchieta Hélcias, diretor de Relações Governamentais do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias. “O Brasil não tem condições de fazer um sistema como o dos Estados Unidos, do Canadá”, diz, referindo-se à separação entre defesa e aviação civil. “Se no sistema único o governo não dá o dinheiro para manutenção…” Para ele, “o que está errado é a gestão, falta de recursos”.

Outros clientes do sistema são donos de aviões que não fazem vôos regulares. “Não faz diferença se são civis ou militares que fazem o controle, desde que bem feito”, diz Adalberto Febeliano, vice-presidente-executivo da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag). A entidade defendeu a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) porque se preocupava com a rotatividade dos oficiais no antigo Departamento de Aviação Civil (DAC). “Mas no controle aéreo não há rotatividade.”

Em geral avessos às Forças Armadas assumirem funções que não são suas, prestigiados especialistas brasileiros em defesa apóiam o controle pelos militares. “A combinação da Força Aérea com a aviação civil permitiu otimizar investimentos, dando ao sistema um uso duplo”, diz Thomaz Guedes da Costa, professor da National Defense University, em Washington. “E o modelo brasileiro tem sido extremamente confiável.”

“Estamos vivendo uma crise de transição”, diz Eliézer Rizzo de Oliveira, diretor do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina. “O DAC funcionava bem. A Anac, não.” Ele aponta como causa da crise o contingenciamento de R$ 1,87 bilhão do Fundo Aeronáutico, revelado pelo Estado no domingo. “Recursos de algumas áreas como defesa não deveriam ser contingenciados.” 


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