Com maior facilidade de crédito e elevação do poder aquisitivo, eles melhoraram de vida, mas não é necessário que votem em Dilma
SALVADOR – Muitos eleitores de classe média baixa melhoraram de vida nos últimos anos, e associam seus progressos ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No tabuleiro de acarajé do Zé da Chica, perto da praia de Itapuã, em Salvador, quatro integrantes dessa classe emergente se reuniram num fim de tarde para conversar com o Estado sobre a melhora em suas vidas – e as consequências dela nas suas escolhas na eleição presidencial deste ano.
O taxista Luis Estrela, de 34 anos, conta que “afundou em dívidas” entre 1998, no final do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, e 2003, início do governo Lula. “O poder aquisitivo diminuiu muito”, diz, e, com ele, o movimento de passageiros. “Tudo que eu tinha tive que botar na fogueira”, recorda Luis. Em 2003, ele devia R$ 30 mil a duas financeiras. “Quando entrou o governo Lula, comecei a respirar.” O número de passageiros foi aumentando – ele reconhece que também por causa da violência nos ônibus de Salvador – e os juros dos empréstimos caíram.
Luis reuniu todas as suas dívidas em um banco. “Zerei meu nome nos bancos, cartões de crédito e celular.” Comprou um terreno com uma construção por R$ 7 mil à vista e terminou a casa com um empréstimo na Caixa Econômica Federal (CEF) de R$ 17 mil, pelo qual pagou R$ 23 mil, em 24 meses. Equipou a casa com TV de plasma, computador, máquina de lavar, geladeira nova e ar- condicionado. “Coisas que nunca pude ter noutros governos”, diz ele. Luis instalou até um DVD player para os passageiros de seu táxi, que é arrendado.
O taxista afirma que ganha entre R$ 4 mil e R$ 4.600 por mês, e paga com facilidade a despesa mensal de R$ 3.500, incluindo o colégio da enteada de 12 anos, o sustento do filho de 1 ano e meio e um plano de saúde. “Graças a Deus, dá para manter uma situação muito boa.”
“Para mim, melhorou muito”, concorda Cristiane Caetano, de 31 anos, que fez curso técnico de enfermagem e é uma espécie de governanta na casa de duas irmãs de meia-idade. “Consegui financiar minha casa.” Cristiane paga prestação de R$ 146 na CEF pelo seu apartamento, que se encaixa bem na sua renda de R$ 800 (salário mínimo de R$ 510 mais diárias de R$ 35, que faz noutras casas).
No dia em que conversou com o Estado, ela tinha colocado anúncio no jornal procurando emprego como enfermeira. “Mando currículo todo dia; nunca me chamaram, talvez por não ter experiência”, diz Cristiane, formada há quatro anos em Itapetinga, sua cidade natal, a 562 km de Salvador. Ela não culpa o governo por não ter encontrado vaga em sua área. “Em Itapetinga, todo mundo que fez o meu curso está empregado”, diz Cristiane, cuja mãe trabalha como enfermeira em um hospital da cidade. “Lá tem bastante emprego. Trabalhei seis anos na fábrica de sapatos da Azaléia. Meus quatro irmãos também. Mas toda vida quis morar em Salvador.” Ela conseguiu seu primeiro emprego em 1999, na época de Fernando Henrique. Não tem opinião sobre o ex-presidente.
O namorado de Cristiane, funcionário da prefeitura de Pojuca, a 67 km de Salvador, não gosta do governo Lula. “Ele é contra o Bolsa-Família”, explica Cristiane. “Fala que tem que dar trabalho. Só que muita gente não tem condições de trabalhar.” Cristiane cita o caso de uma vizinha de sua família em Itapetinga, largada pelo marido com três filhos pequenos. Com o dinheiro do Bolsa Família, ela abriu uma venda em sua casa, e assim pode trabalhar e ao mesmo tempo cuidar dos filhos.
“Desde a eleição de Lula, facilitou muito”, avalia o segurança Arlindo Barbosa da Silva Filho, de 50 anos. “Qualquer pobre tem condições de ter TV, micro-ondas… Antes era mais difícil.” Arlindo foi demitido em 2008 de uma grande empresa em Salvador, onde trabalhara 18 anos. Recebeu R$ 46 mil do Fundo de Garantia, indenização e férias e outros R$ 3.800 de seguro-desemprego, em cinco parcelas. Deu R$ 40 mil de entrada num apartamento que vale R$ 120 mil, paga prestação de R$ 400 e cobra aluguel de R$ 500. Juntou o restante com suas economias, investiu quase R$ 20 mil numa casa que já possuía e aumentou o aluguel de R$ 400 para R$ 700.
Além disso, a pensão de sua sogra, cujo marido era ex-combatente da Marinha e funcionário do Correio, deu um salto no governo Lula. Ela recebe R$ 6 mil por mês, que repassa para a filha e o genro. Sua mulher está fazendo curso de publicidade. Como empregado, Arlindo ganhava R$ 700 líquidos. Agora, tira R$ 1.800, somando a renda de aluguéis de R$ 1.200 e os R$ 600 que ganha como motorista autônomo. “Esse governo é bom”, resume. “Ficou mais fácil investir e conseguir crédito.”
Arlindo tem um carro Vectra financiado em 36 meses, e paga R$ 418 por mês. “Com trabalho honesto, querendo, conseguem-se as coisas.” Cristiane completa: “E nome limpo.” Ela conta que uma amiga vendedora de produtos Avon comprou um carro. O marido desconfiou e foi averiguar. Explicaram que ela tinha rendimento e nome limpo.
No transcurso do governo Lula, José Antonio dos Santos Vieira, o Zé do Acarajé, de 45 anos, transformou-se em arrendatário e pequeno empresário. Ele abriu seu primeiro ponto de acarajé em Piatã há 16 anos, mas só contratou o primeiro funcionário em 2002. Hoje, tem 10 funcionários, e do ano passado para cá abriu mais dois pontos.
Formado em educação física, Zé do Acarajé é professor da rede estadual. Em 2007, fez empréstimo consignado de R$ 13 mil como servidor estadual no Banco do Brasil e transformou o sobrado em que vivia em sete unidades residenciais, que aluga por R$ 1.700. Paga R$ 380 de prestação. Pegou dinheiro emprestado com sua cunhada, comprou terreno e construiu casa num condomínio na Estrada Velha do Aeroporto. Em sua nova casa, montou uma cozinha industrial. Financiou também a compra de sua picape Saveiro e de um Gol para a filha, que estuda engenharia de produção. Outra faz ciências contábeis. “O governo federal ajudou quando segurou os juros”, analisa Zé do Acarajé, que faz último ano de direito. “Se não tivesse essa facilidade de financiamento, eu não teria conseguido fazer o que fiz.”
Os entrevistados não gostam de Lula apenas porque melhoraram de vida durante seu governo. “Esse presidente foi o primeiro que teve coragem de mandar prender corruptos, que mostrou os bastidores da política”, cita Luis. “Não é que mandou prender, não mandou soltar”, assinala Zé do Acarajé. “A Polícia Federal agora está trabalhando”, acrescenta Arlindo. “Lula enfrentou os empresários em favor das pessoas de baixa renda. Antes o governo era muito do lado da classe alta. Lula foi o primeiro que olhou para o Nordeste, que era esquecido.”
Apesar de estarem satisfeitos com Lula, nem todos definiram em quem vão votar em outubro. “Embora esteja contente com esse governo, ainda tem muito que melhorar, principalmente na educação”, diz Zé do Acarajé. “Mesmo gostando de Lula, ainda não escolhi meu candidato”, afirma Cristiane. “Não sou ligada em política. Só parei para prestar atenção em Lula porque senti a mudança, que foi um choque mesmo.”
“Ainda é cedo para tecer opinião em relação a candidato”, declara Arlindo. “Estou em dúvida ainda. Não gosto muito de política. Eu sou Lula. Minha opinião pode mudar até setembro.” Luis é bem mais assertivo: “Com o que a gente tinha antes, muda não.” Ele já escolheu: “Quero que continue o pessoal de Lula, Dilma. Se continuar como está, já é muita coisa. Não quero que piore. Do jeito que está, está bom demais.”