Entre as saídas apontadas por especialistas estão investimentos em infra-estrutura, equipamentos e pessoal
O caos no transporte aéreo do Brasil não é causado por falta de dinheiro, mas de planejamento e de gestão. As decisões no setor têm sido tomadas de forma aleatória, sem uma política articulada a orientá-las, e sem um responsável de quem se possa cobrar os resultados.
A Infraero, a estatal que administra os aeroportos, investiu R$ 2,19 bilhões entre 2004 e 2006, e tem previsto investir outro R$ 1 bilhão este ano. Mas suas decisões não são tomadas com base numa estratégia nacional para o transporte aéreo. É por isso que os passageiros têm agora horas e horas para admirar as paredes de mármore e deitar-se nos pisos de granito dos aeroportos, enquanto, por falta de radares, pistas e controladores, os aviões não conseguem decolar nem pousar.
“O controle de tráfego aéreo sofre de um gap tecnológico de 20 anos”, estima o brigadeiro Adyr Leite, doutor em infra-estrutura aeroportuária e presidente no Brasil do Institut du Transport Aérien, com sede na França. “A obra tem precedência sobre a tecnologia. Há mais de uma dezena de aeroportos com sistemas de automação incompletos, porém situados em verdadeiras catedrais arquitetônicas.”
A racionalidade por trás dos investimentos, se alguma, é obscura. O aeroporto de Congonhas recebeu novos fingers, mas não tem pistas adequadas. O aeroporto de Brasília ganhou uma segunda pista, mas não há espaço suficiente no pátio para os aviões, ônibus para transportar os passageiros nem lugar para todos eles no terminal.
Pela cidade de São Paulo passa 40% do tráfego aéreo do País, mas nem Cumbica nem Congonhas foram contemplados com uma segunda pista em que possa haver pousos e decolagens simultâneos à outra existente. Além de Brasília, o outro agraciado com uma segunda pista foi o Galeão, no Rio. “Houve uma priorização errada de investimentos”, constata Adalberto Febeliano, vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag).
Enquanto o tráfego aéreo cresce o triplo da economia, o número de controladores de vôo permanece estagnado há vários anos. “Cada controlador vem arrastando um crescimento de 10% a 15% ao ano”, contabiliza Adyr Leite, ex-presidente da Infraero (1995-1998). O Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Proteção ao Vôo estima que seja necessário abrir, de imediato, no mínimo 500 novas vagas.
Para evitar os problemas enfrentados nos últimos meses, é preciso criar uma carreira única para os controladores. Não é necessário pagar os altos salários que a categoria recebe nos Estados Unidos e na Europa, concordam os especialistas, mas seria razoável pelo menos dobrar os atuais R$ 1.650 iniciais e R$ 3.154 para quem tem 30 anos de serviço.
Muitas incongruências seriam evitadas, acreditam os especialistas, se a administração dos aeroportos e a gestão do tráfego aéreo estivessem submetidas a um mesmo órgão político, uma Secretaria Nacional do Transporte Aéreo, que por sua vez falasse diretamente com um ministério poderoso, de decisão, como a Casa Civil. Esse ministério elaboraria uma política para o setor – hoje inexistente – e a secretaria se encarregaria do planejamento e da gestão para executá-la, sendo cobrada dos resultados.
“Controle de tráfego aéreo é um bem público”, ressalta Thomaz Guedes da Costa, da National Defense University, em Washington. “A responsabilidade fica no colo de quem está em cima, tomando decisões políticas. Numa democracia, compete ao cidadão cobrar responsabilidades. Para isso, é preciso unificar o planejamento e a decisão.”
Para um diagnóstico da situação, seria necessária uma auditoria técnica independente sobre o sistema: seus equipamentos, sua infra-estrutura e seu pessoal. Simplesmente não há informações sobre o setor. A Aeronáutica trata do controle do tráfego aéreo – que, no Brasil, está associado à defesa do espaço aéreo – como segredo militar. E a Infraero é uma caixa-preta que o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público têm tido muito trabalho para abrir, identificando grande número de possíveis irregularidades.
A auditoria foi uma das 13 recomendações feitas, em 14 de dezembro, por um Grupo de Trabalho Interministerial, formado a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no começo do apagão aéreo. O próprio presidente ignorou depois as recomendações. “A sociedade precisa saber o que está acontecendo com o controle de tráfego aéreo”, diz Célio Eugênio de Abreu Jr., consultor de segurança de vôo do Sindicato Nacional dos Aeronautas, que participou do grupo interministerial.
Introduzir transparência, racionalidade e planejamento no sistema não vai adiantar muito se as receitas das taxas de embarque e das tarifas cobradas das companhias aéreas não forem empregadas em equipamentos, infra-estrutura e pessoal. O governo contingencia sistematicamente o dinheiro dos fundos Aeronáutico e Aeroviário. No momento, os fundos têm R$ 2,07 bilhões retidos no Tesouro, segundo a ONG Contas Abertas. Mesmo a fatia liberada é muitas vezes usada pela Aeronáutica para outros fins.
“Usar dinheiro do Fundo Aeronáutico para outras coisas é um equívoco estrutural”, avalia Guedes da Costa. “Se foram estipuladas taxas destinadas ao fundo, alguém deve ter planejado isso. O desvio do dinheiro é um desvirtuamento desse planejamento.”
Assim como não adianta ter aeroportos elegantes se os aviões não conseguem voar, também não adianta se os passageiros não conseguem chegar. O aeroporto de Congonhas opera no seu limite, enquanto Guarulhos e, sobretudo, Viracopos, em Campinas, vivem subutilizados porque todo mundo quer ir para Congonhas. Viracopos fica longe demais e uma chuva ou um caminhão quebrado param a Marginal do Tietê e tornam Guarulhos inacessível.
A solução são trens rápidos ligando Guarulhos e Viracopos à região central de São Paulo, e um metrô interligando-os a Congonhas. Na verdade, em países sérios, quando se planeja um aeroporto, se prevê juntamente o acesso terrestre, em geral com trens rápidos. Pode-se dar muitas voltas, mas sempre se chega ao mesmo lugar: a falta de planejamento.