Crise testa relação do governo com empresas

Setor estratégico para o País, aviação comercial perde competitividade e mergulha em dívidas

 

 

Em novembro de 1991, em meio à fúria liberalizante do governo Collor, a 5.ª Conferência Nacional de Aviação, que reuniu todos os segmentos da indústria, decidiu reduzir drasticamente as restrições regulatórias que amarravam o setor. As companhias passaram a disputar passageiros nas mesmas rotas e horários, a Varig perdeu o monopólio dos vôos internacionais e os preços das passagens deixaram de ser fixados pelo governo.

Em 1992, com a economia em recessão, a Vasp dobrou o seu número de aviões, de 26 para 52. As concorrentes foram atrás, para não perder espaço, inundando o mercado de assentos. A multiplicação das opções, os descontos nas passagens, enfim, os efeitos saudáveis da concorrência, encantaram os passageiros. A elevação do poder aquisitivo com a introdução do Plano Real aumentou a demanda. O dólar barato do período de 1994 a 1998 alimentou a euforia. Cerca de metade dos custos das companhias aéreas – leasing de aviões, peças e componentes, combustível, etc. – é cotada em dólar.

Tudo parecia correr bem até a desvalorização do real, em 1999. “A sobrevalorização do real compensava as desvantagens comparativas”, diz o economista Cláudio Toledo, consultor da Federação Nacional dos Aeronautas, Aeroviários e Aeroportuários. “A explosão do câmbio desmascarou a crise estrutural.”

O dólar caro não é o único problema. O risco país torna os seguros das companhias brasileiras mais caros do que nos países desenvolvidos. O preço do combustível para aviação aqui também é mais alto. Enquanto a gasolina subiu cerca de 35% no ano passado, o do querosene de aviação aumentou 130%.

As taxas aeroportuárias brasileiras também são mais salgadas. No fim dos anos 80, a Infraero instituiu adicional de 50% sobre suas taxas, que deveria durar cinco anos, enquanto a estatal incrementava os aeroportos. A sobretaxa foi ficando e está aí até hoje. Não é a única fonte de receita da Infraero, que arrenda lojas nos aeroportos e está introduzindo linhas de produção industrial dentro deles, com isenção de impostos para os componentes importados.

A Infraero faturou cerca de R$ 1,7 bilhão no ano passado, e o mercado estima que tenha lucrado R$ 400 milhões, enquanto as companhias aéreas afundam em dívidas. O último balanço da Varig, referente ao primeiro semestre do ano passado, registra faturamento de R$ 2,514 bilhões, prejuízo de R$ 1,041 bilhão e dívida de US$ 768 milhões. Nos nove primeiros meses do ano passado, a Vasp declara ter tido faturamento de R$ 700 milhões e prejuízo de R$ 234 milhões. Sua dívida deve ultrapassar R$ 1 bilhão. A Gol ainda não divulgou balanço, mas pode ter fechado no vermelho.

Luz no fim do túnel – As empresas nutrem a esperança de quitar as dívidas com ações que têm na Justiça contra a União, por causa do congelamento das passagens, pelo governo Sarney, a partir de 1986. As companhias vêm vencendo em todas as instâncias. As ações estão entre o Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal de Justiça. O mercado estima que as indenizações para a Varig, Vasp e TAM somem R$ 6 bilhões. Como boa parte das dívidas – tributos, combustível da Petrobrás, taxas da Infraero – são com o próprio governo, poderá haver encontro de contas.

Mas a experiência sugere que não deve passar disso. A Transbrasil foi a única que ganhou até agora. Ela reivindicava compensação de R$ 1,3 bilhão. Segundo a Transbrasil, num acordo, o governo quitou R$ 725 milhões em dívidas da companhia com tributos e com a Petrobrás. Não desembolsou dinheiro vivo.

A crise nas companhias aéreas é um teste das relações entre o novo governo e o setor privado. “A capacidade ou não de solucionar a crise é muito mais empresarial do que governamental”, diagnostica o ministro da Defesa, José Viegas Filho, sob cuja pasta se encontra o Departamento de Aviação Civil (DAC), da Aeronáutica. “O governo tem-se empenhado em criar as condições para que as empresas encontrem a solução para o problema, que é complexo, mas tem um componente de mercado indisfarçável.”

O presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), George Ermakoff, admite que o excesso de oferta é conseqüência da prática de concorrência adotada pelas companhias. “Cada vez que entra uma empresa nova, as outras se sentem na obrigação de botar mais vôo”, diz ele. “Deveria haver uma auto-regulamentação, com os próprios empresários estabelecendo o nível adequado de oferta para terem lucro.”

Para a presidenta do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziella Baggio, isso deveria ser mais bem controlado pelo DAC, ou pela futura Agência Nacional de Aviação Civil, que deve substituí-lo ainda este ano. “O sistema está entrando em colapso”, diz Graziella. “Nos últimos 7 anos, 27 empresas foram criadas. Como é que pode?”

“Não houve planejamento estratégico para crescer de forma ordenada, num setor em que já é difícil operar de forma rentável”, observa o analista de empresas Carlos Eduardo Albano, da Unibanco Corretora.

A taxa média de aproveitamento dos aviões no ano passado no Brasil foi de 58%. Nos Estados Unidos, um mercado mais desregulado, onde as companhias não precisam solicitar concessões de linhas, fazendo apenas a sua notificação, essa taxa esteve em 70%, apesar da crise que se abateu sobre o setor depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. O que prova que o problema não está só na desregulamentação, mas no uso que as empresas fazem da liberdade.
 

 

Colaborou André Siqueira

 

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*