O cálculo, conservador, baseia-se no tempo mínimo de contribuição, na taxa de informalidade e nas projeções de população do IBGE
Quando completar 20 anos, o brasileiro que está nascendo hoje terá de sustentar um aposentado, se as regras da Previdência e o nível de informalidade não mudarem. Quando chegar aos 45, ou seja, em 2050, para cada contribuinte haverá quase dois aposentados (1,7). Hoje, pelo mesmo método de cálculo, haveria 1,5 contribuinte por aposentado.
O cálculo é conservador. O Estado usou tabelas do IBGE de projeção da população dividida por faixa etária e sexo. No caso dos homens, foi considerada em idade de contribuir a faixa de 20 a 54 anos, já que a lei prevê 35 anos de contribuição; no das mulheres, de 20 a 49, para 30 anos de contribuição. Desses contingentes foi extraída a fatia que paga efetivamente contribuições: 46,6% dos homens e 45,6% das mulheres. Os beneficiários teóricos estão acima das idades de contribuição.
Na realidade, o fardo é ainda maior porque, além da aposentadoria por idade e tempo de contribuição, há também por invalidez, para idosos pobres e portadores de deficiência e outros direitos custeados pela Previdência, como auxílio-doença e maternidade. Hoje, no INSS, há 1,3 contribuinte para cada benefício. Entre os servidores da União, havia 961 mil aposentados e pensionistas para 921 mil na ativa, em 2003. “Esse cálculo está submetido às incertezas naturais das projeções, mas no mínimo serve para alertar para o problema”, diz o consultor José Cecchin, ex-ministro da Previdência. “Os números são muito claros.”
“O que se constata com essa projeção é que um sistema de benefício definido fica deficitário rapidamente, se não se alteram os parâmetros, por causa das mudanças etárias”, analisa Flávio Rabello, especialista em Previdência da Fundação Getúlio Vargas. “Dentro de no máximo 15 anos, se não houver outra reforma, virá um calote. O Estado não vai dar conta de pagar a Previdência.”
No Brasil, o que mais influi nessa relação crescentemente perversa entre número de contribuintes e de beneficiários é menos o envelhecimento e mais a informalidade, acha Newton Conde, consultor da Watson Wyatt. Nos Estados Unidos, onde a população é mais velha, há cerca de três contribuintes para cada aposentado, diz ele. Em 2050, a proporção será de 2,3 por 1. “O mercado informal deveria ser o primeiro item da pauta de discussões”, concorda o ex-ministro Reinhold Stephanes. “Na Previdência, os que trabalham sustentam os que não trabalham. Se metade dos que trabalham não contribui, o déficit é cada vez maior.”
Mesmo a metade que contribui o faz por pouco tempo, e goza de benefícios por muito tempo. A idade média do aposentado no Brasil é de 56 anos. Nos países desenvolvidos, a idade mínima é de 65 anos, em média; nos EUA, de 67, e há um debate sobre elevar esse patamar. O argumento de que os brasileiros vivem menos não serve: os que chegam à idade de se aposentar têm expectativa de vida similar à de países ricos.
Em 2018, a Previdência americana começará a gastar mais do que arrecada, se não houver mudanças. Em 2040, se tornará deficitária. Diante disso, o presidente George W. Bush colocou a reforma da Previdência no topo da agenda, em seu discurso sobre o Estado da União, no dia 2 de fevereiro. Na terça-feira, o presidente do Banco Central, Alan Greenspan, voltou à carga: “Não combater os desequilíbrios terá sérias conseqüências para a economia”.
No Brasil, a Previdência absorveu, no ano passado, 58% da despesa não-financeira da União, seguida pela folha de pagamento do funcionalismo, que representou 28%. O déficit dos sistemas público e privado ultrapassou os R$ 64 bilhões. É quase o dobro do que a União gasta com saúde. “É o maior problema fiscal do Brasil”, diz Fabio Giambiagi, pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Está comprimindo o espaço de todas as demais políticas públicas.”
Na quarta-feira, a Previdência encabeçou a pauta da Câmara dos Deputados. Mas foi para aumentar os gastos. Foi aprovada a elevação da renda per capita máxima de um quarto para um salário mínimo para os que têm direito a aposentadoria sem as exigências normais de contribuição; a garantia de reajustes integrais para servidores inativos contratados antes de dezembro de 1998; a diminuição das contribuições de inativos portadores de “doenças incapacitantes” e a redução da aposentadoria compulsória de professores das universidades federais, de 75 para 70 anos.
Com esse “saco de bondades”, o governo federal espera perder R$ 605 milhões por ano. Além disso, foram equiparados os salários dos delegados de polícia, advogados de carreira e fiscais de renda aos dos desembargadores, cujo teto é de 90,25% do que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 19.115).