Levantamento exclusivo da Secretaria de Segurança Pública mostra que, entre os reincidentes, 20,5% cometeram o primeiro roubo antes dos 18 anos e 20,6% com menos de 17
LOURIVAL SANT’ANNA – O ESTADO DE S. PAULO
De cada dez acusados de cometer roubos no Estado de São Paulo, sete voltaram a praticar o mesmo crime entre janeiro de 2001 e julho de 2013. Desses, 41% tinham menos de 18 anos quando roubaram pela primeira vez. Os dados são resultado de levantamento inédito feito pela Secretaria da Segurança Pública, a pedido do Estado.
O índice significa que o fato de ter sido apontado para a polícia como autor de um roubo não evitou que mais de dois terços dos ladrões voltassem a roubar, nesse período de 12 anos e meio. O método usado foi conservador, e o número dos que voltaram a roubar no período pode ser mais alto.
A Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP) da secretaria pesquisou os boletins de ocorrência (BOs), em busca de um mesmo autor para roubos diferentes. Roubos cometidos na mesma área em curto intervalo não foram computados, por serem provavelmente arrastões, que entram na categoria de crime continuado. Pessoas diferentes com o mesmo nome – ou homônimos – foram excluídas, verificando-se o número do documento ou o nome da mãe.
No fim, a CAP chegou a 14.699 autores de roubos, dos quais 10.200, ou 69%, cometeram roubos mais de uma vez, o que os técnicos chamam de “reiteração”. A palavra “reincidência”, mais conhecida, é aplicada aos crimes transitados em julgado, com no máximo cinco anos de intervalo. Aqui, a fonte da informação é o BO.
A amostra é bastante pequena, para o período: no ano passado, a média mensal de BOs de roubos no Estado de São Paulo foi de 29.320 e, no período 2011-2013, de 27.440. O fato de ter sido possível levantar apenas 14.699 autores nessa massa formidável de roubos mostra o quanto é ínfimo o grau de resolução desses crimes. De acordo com o secretário da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, o índice está entre 2% e 3%.
A pequena proporção de nomes levantados revela também a falta de padrão na redação dos boletins de ocorrência. Se o mesmo número de RG é escrito com pontos em um BO e sem pontos em outro, por exemplo, o programa de computador que fez esse cruzamento de dados não consegue verificar se é a mesma pessoa. Uma só letra escrita errada no nome também já impede detectar a reiteração. Além disso, muitos BOs não vêm com o tipo de crime, no caso o roubo, preenchido no campo indicado. Sobretudo no caso de menores, às vezes se aplica o termo “ato infracional”. Seria preciso ler a narrativa para verificar de que se trata, o que é impossível, dado o número de BOs. Tudo isso sugere que a reiteração do roubo pode ser até maior do que 69%, um índice já bastante alto.
Perfil. O levantamento traz outros dados reveladores. Daqueles que reiteraram, 20,6% cometeram o primeiro roubo com menos de 17 anos e outros 20,5%, com menos de 18. Ou seja, quatro em cada dez eram menores de idade quando roubaram pela primeira vez. Praticamente todos, 98%, voltaram a roubar duas ou três vezes. Quase 2% repetiram o crime entre quatro e cinco vezes.
Já o intervalo entre a primeira e a última reiteração é mais bem distribuído, indicando carreiras criminosas com durações diversas. Esse intervalo foi de um ano em 22% dos casos, de dois anos em 29%, de três a quatro anos em 32%, de cinco a sete anos em 15% e de oito anos ou mais em 1% dos casos (em porcentuais arredondados).
Finalmente, os dados mostram também que, quanto maior o número de reiterações, menor a idade com que o ladrão cometeu o primeiro roubo. O que é natural, pois quem começa jovem – e há criminosos que começaram aos 12 anos – pode ter uma carreira mais longa.
Para Tulio Kahn, ex-chefe da CAP e estudioso de criminalidade, os dados “parecem confirmar um fato já evidenciado na literatura de carreiras criminais: um número pequeno de criminosos muito produtivos é responsável por parcela desproporcional de crimes, enquanto a grande maioria comete poucos crimes durante um período só”. O fato de a reiteração cair muito conforme a idade aumenta, analisa Kahn, indica que não vale a pena sentenciar pessoas mais velhas com penas longas.
“Esses dados servem para calcular o prejuízo de deixar o indivíduo solto, versus o custo, para o Estado, de mantê-lo preso”, avalia Kahn. “Podemos pensar se essa política de encarceramento disseminado para qualquer tipo de ladrão de qualquer idade, solteiro ou casado, faz sentido, ou se estamos desperdiçando recursos.”
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