Empresas que obtêm liminares não têm sequer endereço certo, assim como os impetrantes
A TA Distribuidora, de Vitória, obteve liminar em setembro de 1996 para não pagar ICMS. O processo foi julgado improcedente em junho do ano passado. Em agosto, a firma mudou sua razão social na Junta Comercial do Espírito Santo, passando a se chamar TA Oil Distribuidora de Petróleo Ltda. Exatamente um mês depois, obtinha, do desembargador Lúcio Vasconcellos de Oliveira, nova liminar, com os mesmos argumentos daquela julgada improcedente.
Em seguida, a TA obteve liminar, na 23.ª Vara Federal do Rio de Janeiro, para não adicionar corante aos produtos comprados no Estado e enviados para o Espírito Santo. O corante é uma forma de evitar a fraude, pois mostra que o combustível que deveria ter saído do Estado permanece nele.
A notícia do êxito da TA correu mundo.
A Verdisagro Comércio e Derivados de Petróleo Ltda., de Campo Mourão, no Paraná, obteve liminar e protocolou petição para comprar combustível da TA e das paulistas Novoeste, Manchester
Oil, Brasilpetro, Jumbo, Delta e Mercoil. O endereço da Verdisagro: Rua Ney Braga, 345, Jardim Três Marias. Fotos tiradas em fevereiro do ano passado mostram que a Verdisagro, que pretendia
comprar 35 milhões de litros de gasolina e 11 milhões de litros de óleo diesel por mês, era um pátIo com um pequeno tanque e uma mangueira. Hoje, o número 345 não existe mais na rua.
No Ceará, a Fort Petro foi constituída no dia 17 de março. Nove dias depois, entrou com ação para comprar 14,5 milhões de litros de gasolina e 11 milhões de litros de óleo diesel por mês, sem pagar ICMS, das distribuidoras Petroazul, Inca, Atlas e Caribean, estabelecidas no Estado de São Paulo. O volume é superior ao que a BR Distribuidora vende por mês em todo o Estado do Ceará, onde é líder absoluta de mercado. Além disso, comprando em São Paulo, a 2.900 quilômetros, o negócio se tornaria inviável pelo custo do frete rodoviário, muito superior ao do transporte por navio que abastece
Fortaleza.
O desembargador Rômulo Moreira de Deus concedeu a liminar no dia 13 de abril. A Procuradoria-Geral do Estado conseguiu derrubá-la ainda no mês passado, evitando que a Petro Fort comprasse 30 milhões de litros de combustíveis no Rio, segundo o secretário da Fazenda do Ceará, Ednilton
Gomes de Soárez. No endereço fornecido pela Fort Petro no pedido de liminar – Travessa Dumar, n.º 100, Messejana, Fortaleza –, há uma residência, cujos donos dizem nunca ter ouvido falar da empresa.
Em Pernambuco, obtiveram liminares as distribuidoras Discon, Total, Frannel, Dislub e Max. Um dos criadores da Max, Savio Neiva, é filho do ex-desembargador Otílio Neiva, que se aposentou no ano passado.
Em Aurora do Pará, foi autorizada a compra total de 26,98 milhões de litros de gasolina por mês, quando o consumo mensal da cidade é de 10 mil litros. Em Mãe do Rio, são 7,6 milhões, para um consumo de 30 mil litros. Em Tucumã, também no Pará, foram 11,7 milhões, para um consumo de 50 mil litros mensais.
O dossiê entregue ao senador Paulo Souto contém cópias dos pedidos de liminares, dos deferimentos dos juízes e até de notas fiscais e de fotografias que mostram que as “distribuidoras”, quando existem no endereço em que estão registradas, não têm nenhuma estrutura para lidar com esses volumes de combustíveis.
Portaria do Ministério de Minas e Energia facilita o trabalho das firmas de fachada, ao permitir que uma distribuidora use instalações de outra.
Os endereços das firmas são comumente vagos, como o da AF de Oliveira Lubrificantes, supostamente localizada à “Avenida Brasil, s/n.º, centro, Tucumã”. Outra curiosidade, nesses processos, são os outogantes que assinam procurações para os advogados entrarem com as ações. Nunca se informa seu endereço, o número de sua carteira de identidade ou CPF. São impossíveis de localizar.
Mais uma particularidade: os advogados estão geralmente distantes dos clientes e não os conhecem pessoalmente. São especialistas nesse tipo de liminares. A advogada da AF, Neide Furtado Silveira, tem escritório em Inhumas, Goiás. O juiz que concedeu a liminar à AF foi Manoel Maria Barros Costa, de Tucumã. Na mesma pequena Tucumã, o mesmo juiz deferiu outros pedidos, como o da TJ Comércio de Lubrificantes Ltda.
Outro juiz pródigo em liminares é Cirio Mioto, da 5.ª Vara Cível de Várzea Grande, Mato Grosso. A Tribus Diesel, por exemplo, foi autorizada a comercializar 29 milhões de litros de gasolina por mês, enquanto a média mensal consumida em todo o Estado é de 23 milhões. Provimento da Corregedoria de Justiça do Mato Grosso, de outubro, recomendava cautela aos juízes, diante dos indícios de fraude fiscal no Estado.
A SD Mesquita Combustíveis e Lubrificantes estaria localizada, segundo o pedido de liminar deferido, no quilômetro 2,6 da Rodovia CBA Santo Antonio, periferia de Cuiabá. Lá, a reportagem do Estado encontrou um matagal.
A Dieselube Comércio de Petróleo Ltda. ficaria supostamente na Av. Tamoyos, n.º 4.150, sala B, Parque Ohara. A avenida só tem casas humildes, até o número 795. A partir daí, a área é desabitada.
A Petro Garças Distribuidora de Petróleo Ltda. estaria à “Rua 6, s/n.°, Setor Industrial”. Ocorre que as ruas do setor industrial de Cuiabá são identificadas por letras. A Associação dos Empresários do Distrito Industrial e a Secretaria de Indústria e Comércio desconhecem a empresa.
O quilômetro 1 da Estrada da Praia Grande, suposto endereço da LP da Silva Combustíveis Lubrificantes, é matagal de um lado e casas simples de outro. Não existe empresa do ramo na área e ninguém ouviu falar da LP.
O dossiê contém muitos outros casos, alguns já denunciados na imprensa. Um dos argumentos usados para obter as liminares é o de que o “dano” causado pela cobrança supostamente indevida dos tributos “é de dificílima e demoradíssima reparação”. O mesmo devem pensar os secretários da Fazenda, quando conseguem derrubar as liminares e vão tentar localizar as “distribuidoras”, para cobrar o ICMS devido.
Colaboraram José Carlos Dias (Cuiabá), Rodolfo Spínola (Fortaleza), Ângela Lacerda (Recife), Laudo Leon dos Santos (Campo Mourão) e Evandro Fadel (Curitiba).