Gasto da União sobe 57% em uma década

Cálculo não inclui despesas com juros, que absorvem um quinto da carga tributária

 

No Brasil, há duas certezas: a cada ano que passa, o governo arranca mais dinheiro da sociedade e lhe presta menos serviços. Segundo cálculo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, o brasileiro de classe média trabalha 138 dias por ano para pagar tributos e outros 112 para pagar o que supostamente o governo deveria lhe dar em troca: educação, saúde, previdência, segurança e estradas privadas.

Não há, no setor público brasileiro, relação entre serviço pago e serviço prestado. Em 1980, o governo investia R$ 17,396 bilhões em transporte. Desde 2002, embora cobre R$ 0,60 por litro de gasolina para pretensamente melhorar as estradas, o governo federal destina hoje R$ 3,651 bilhões por ano ao transporte.

Então, para onde está indo o dinheiro dos impostos? Parte dele é consumida nos juros da dívida pública. De acordo com estudo dos economistas Amir Khair e José Roberto Afonso, os juros consumiram no ano passado 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Para uma carga tributária de 36% do PIB, isso significa que um quinto do que as três esferas de governo arrecadam evapora nos juros. “O Banco Central está agindo com irresponsabilidade fiscal”, acusa Khair, secretário de Finanças de São Paulo na administração de Luiza Erundina (1989-1992).

Mas não é só isso. Na última década, as despesas não-financeiras da União (que excluem juros e amortização da dívida) subiram 57%, passando de R$ 194,6 bilhões em 1995 (valor corrigido) para R$ 306,7 bilhões em 2004. No âmbito federal, as outras duas grandes rubricas são Previdência e Assistência Social, que absorveu no ano passado 58% da despesa não-financeira da União, e a folha de pagamento do funcionalismo, que ficou com outros 28%.

“Se você quiser fazer um ajuste que tenha dimensão, não tem como escapar de mexer nesses dois itens”, diz o especialista em contas públicas Raul Velloso. Segundo ele, o governo atual deixa transparecer “uma política deliberada de ampliar esses gastos”, sobretudo o da folha de pagamento, com aumento de funcionários e melhoria de salários. “Desse jeito, o gasto acabará sendo só Previdência e Assistência e pessoal.”

Ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique, o número de servidores ativos até caiu no Executivo, mas o total, somando os aposentados e pensionistas – que recebem salário integral – aumentou mais de 14 mil funcionários (ver gráfico acima). O governo Lula tem criado vagas. Além disso, o Judiciário e o Legislativo contrataram com entusiasmo. Enquanto, nos últimos 25 anos, os gastos da União com transporte caíam para um quinto, o Judiciário multiplicava por 12 os seus e o Legislativo os triplicava, na esteira da redemocratização, que lhes conferiu ampla autonomia.

No Brasil, a ordem é gastar – independentemente do uso dado ao dinheiro. A própria lei reproduz essa mentalidade. A começar pelas porcentagens da receita que a Constituição reserva à saúde e à educação – as famosas verbas carimbadas. Para o ex-secretário da Receita Everardo Maciel – que personificava o impiedoso Leão no governo Fernando Henrique -, a lei deveria estabelecer metas físicas delimitadas no tempo, como erradicar o analfabetismo num município em cinco anos, por exemplo. E com o menor gasto possível.

EXPANSIONISTA

“A onda de vinculações orçamentárias incorre num erro incrementalista: o de achar que somos mais eficientes quando gastamos mais”, analisa Everardo Maciel. Segundo ele, o orçamento no Brasil é “naturalmente expansionista”, já que o seu ponto de partida é o crescimento da receita de ano a ano. Nos Estados Unidos, diz Everardo, o orçamento tem base zero. Primeiro se definem necessidades e metas. “No Brasil, a despesa é variável exógena, aleatória”, critica. “Além da reforma tributária, é preciso uma reforma fiscal.”

Estudo do economista Marcos Mendes mostra que a lei privilegia os repasses da União para os municípios menores, em detrimento dos médios e grandes, como se houvesse uma relação causal entre tamanho e necessidade. “No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, há municípios pequenos com alto nível de renda, que não têm muito o que fazer com o dinheiro”, observa Mendes, assessor legislativo do Senado. “Aumentam os salários dos vereadores e prefeitos, começam a queimar dinheiro.”

Os maiores prejudicados são os municípios médios de regiões metropolitanas, que servem de cidades-dormitório, cujos moradores geram pouca receita local. O crescimento rápido cria necessidades como coleta de lixo, extensão da rede de esgoto, pavimentação de ruas e iluminação em bairros novos da periferia. Mesmo nos municípios pequenos e pobres, diz Mendes, há grande risco de o dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios cair nas mãos dos ricos do lugar, porque a população, analfabeta, nem fica sabendo que esses recursos estão vindo.

O mesmo acontece com o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). Para o especialista, não basta enviar o dinheiro para os municípios que realmente precisam dele, atrelando-o a metas e prazos. “São precisos programas federais e estaduais para qualificar os prefeitos a usar bem o dinheiro”, diz ele. “O Ministério da Educação deveria mandar equipes para ensinar como usar o Fundef e o da Fazenda, como fazer contabilidade.”

CUSTO ADMINISTRATIVO

A Constituição de 1988 descentralizou radicalmente os tributos, mas o governo federal continua com tarefas cuja execução deveria ter sido entregue aos municípios, analisa José Roberto Afonso, ex-superintendente da área fiscal do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para Afonso, hoje assessor técnico da liderança do PSDB, o atual governo tende a centralizar ainda mais essa execução, aumentando os custos administrativos. “Num dado momento, o custo administrativo do Fome Zero estava maior que o programa em si”, lembra ele.

Todo o esforço, diz Afonso, deve-se concentrar em gastar menos com administração e o mesmo ou mais com as atividades-fim; aumentar o investimento e diminuir o custeio e investir pesadamente na modernização da gestão. “A sociedade está cobrando um Estado melhor, não menor.”

Para o presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Cláudio Alvarenga, os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) devem coibir muitos abusos. “Cumprida a LRF, não tenho dúvida de que se vai conseguir planejamento e gasto adequados”, diz ele. Já Everardo Maciel reconhece que a lei é um avanço, mas acredita que ela deveria evitar, além de punir os crimes. 


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