Gestão e corrupção preocupam eleitores de classe alta de Brasília

Entrevistados têm avaliações diversas sobre Bolsa-Família, sistema de saúde e condução da economia

 

BRASÍLIA – As cenas de distribuição de dinheiro protagonizadas pelo governador José Roberto Arruda (ex-DEM) deixaram acabrunhado o grupo de eleitores de classes média e alta ouvido pelo Estado, mas não se pode dizer que os surpreenderam nem que influem no seu voto na eleição presidencial. Reunidos numa noite de sexta-feira à beira da piscina de uma casa no Lago Norte, seis empresários, profissionais liberais e professores expressaram visões muito diferentes entre si.

“Lula para mim foi uma grande decepção”, confessa Eduardo Mata Machado, de 68 anos, técnico de planejamento aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Eu gostava do PT, porque era coeso, tinha proposta, consciência social. Os outros partidos não falavam nada a esse respeito. Chegou ao poder e podia aplicá-la. Deu no que deu”, lamenta. “Viramos uma república sindicalista, com quantidade absurda de ministérios.”

“As coisas não melhoraram como esperaríamos”, avalia a advogada Andrea Rebellatto Adorno, de 38 anos, que trabalha na fábrica de revestimentos de madeira de seu marido. “Ser empresário no Brasil é um desafio enorme”, desabafa o marido, Sebastião Adorno, de 52 anos, formado em economia. “Não posso me convencer de que só exista um mecanismo para combater a inflação, a taxa de juros. Só favorece banqueiros, para atrair o capital estrangeiro e agiotar o consumidor. Ninguém fala de poupança pública, que significa cortar gastos e aumentar investimentos.”

Sebastião considera que Lula manteve a estabilidade econômica conquistada por Fernando Henrique Cardoso. “Fora isso, avançou muito pouco na política social.” Já Andrea pondera que houve alguns avanços na política social, e cita o programa Minha Casa Minha Vida como exemplo. De sua parte, Sebastião elogia o aumento do salário mínimo. O casal considera o Bolsa Família “paternalista”, preocupa-se com o risco de a dependência tornar-se “eterna” e diz que seria melhor investir na educação.

“Acho ótimo o Bolsa-Família”, entusiasma-se o dono da casa, João Nildo Vianna, de 71 anos, professor de engenharia mecânica da Universidade de Brasília (UnB). “É uma forma de distribuição de renda, que bota o dinheiro lá na venda.” Ele argumenta que, se não houver programas como esse, “você tem de ficar entrincheirado com uma cartucheira, para não invadirem sua casa”. Concorda que o benefício não deve ser “eterno”, e pondera: “Nunca vi tanto treinamento, tanto esforço de qualificação.”

Sebastião critica o desempenho administrativo do governo: “Gestão do Estado, não tem. É a caneta nomeando apadrinhados.” João Nildo discorda: “A máquina pública está cada vez mais eficiente. Está acabando esse negócio do funcionário que deixa o paletó na cadeira. Agora é concurso. Não existe mais essa caneta.” Ele provoca: “Vocês empresários querem reduzir o Estado? ‘ Sebastião explica que não é “contra contratação, mas contra má contratação”, e argumenta que há muito pessoal terceirizado, além dos cargos de confiança.

Marco Antonio Veloso, de 66 anos, aposentado da Companhia Energética de Pernambuco, e que hoje presta consultoria sobre serviços públicos no Nordeste, acha que se está cometendo exagero ao contratar engenheiros, motoristas e secretárias por concurso, encaixando-os na carreira do Estado, com todas as dificuldades para depois demitir. “Concurso deveria ser para agentes reguladores, que precisam da proteção do Estado. Engenheiro, como eu, deve ser contratado pela CLT.”

Leonora Maciel de Souza Vianna, de 59 anos, médica aposentada da rede hospitalar do DF e professora de medicina da UnB, lembra que, em 1985, quando o presidente eleito Tancredo Neves morreu, dizia-se que São Paulo tinha a melhor medicina privada e a pior pública e Brasília, o contrário. “Hoje, Brasília tem uma péssima medicina pública e a de São Paulo melhorou.” Ela admite que o salário dos médicos não é ruim. “O problema na saúde é de gestão. Não vejo ninguém que preste.”

Sebastião protesta: “Serra fez o genérico. Nessa área, ele demonstrou (que é possível realizar).” Andrea conta que sua mãe teve câncer e foi bem tratada em hospitais públicos de São Paulo. Ela atribui isso ao governo de José Serra.

Leonora votou em Heloísa Helena no primeiro turno e em Lula no segundo. Neste ano, pretende votar em Marina Silva no primeiro e em Dilma no segundo. “Acho que a política do governo não foi ruim”, diz ela. “Quando vai nos rincões do País, você vê meninos às 2 e meia da tarde de pé esperando ônibus para ir para a escola. O Brasil melhorou.”

Sebastião votará em Marina no primeiro turno. Quanto ao segundo, diz que se sente “entre o capeta e o diabo” e que vai “tentar escolher o menos pior”. Mas considera que Marina apoiará Serra. Andrea vai votar em Serra, e promete convencer o marido: “Acho que precisa modificar, e tendo em vista as benfeitorias em São Paulo.” Veloso votará em Marina, que descreve como “aquela mulher magrinha, frágil, corajosa e séria”. Em 2002, ele foi eleitor de Serra e em 2006, de Geraldo Alckmin. “Quero dar um voto na ética, porque estou tão cansado de patifaria.”


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